quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Arquétipo do Mestre


Arquétipo do Mestre

Em Homenagem ao dia dos Mestres!

“O sonho tem início com um mestre que acredita em ti, que te puxa, te empurra e te conduz ao próximo degrau, às vezes te aguilhoando com uma vara pontiaguda chamada verdade.”

- Dan Rather

“Ser educador é ser poeta do amor.” – Augusto Cury

 

O caminho do Mestre segundo “O Caminho quádruplo” da antropóloga  Angeles Ariens,   permite acesso ao recurso da sabedoria. Diferentemente de conhecimento, que é a soma das informações que colecionamos ao longo da vida, a sabedoria nos leva para além de livros e manuais, envolve o refletir e sobretudo saber o que fazer com o conhecimento.  A sabedoria é um conhecimento interno que desperta na medida em que vivemos, experienciamos e compartilhamos.

Em todas as culturas temos conceitos de educação e transmissão de conhecimento.  Aprender e ensinar, é um processo universal, seja através de uma instituição como a escola, ou através da convivência, transmissão oral ou por experiências. Já temos sabido que o melhor método de ensino é por modelo, dando exemplos. A criança aprende muito mais o que observa e vivencia do que o que escuta, daí ser tão importante a concordância entre o falar e o agir. Aprender não significa apenas assimilar os conteúdos programáticos, teóricos e conceituais. Aprender também envolve o processo de aprender a aprender, saber onde buscar, como, questionar, refletir, descobrir e se descobrir.

Daí chegamos a outra diferença que é entre professor e educador. Ser professor passa pelos aspectos formais do ensino acadêmico. Já o educador passa pelo relacionamento com seus alunos, provocando-os a despertar para suas potencialidades.  O humano em sua plenitude é convidado a participar, e o processo de educação transcende o intelectual, provoca o desenvolvimento de habilidades como criatividade, iniciativa, curiosidade, determinação, compartilhares, comprometimento, perseverança, capacidade de elaboração e de fazer associações.

Segundo Ariens, a arte do Mestre em suscitar a sabedoria na vida, consiste em trazer flexibilidade e desapego. Quanto mais flexibilidade, mais sabedoria. Raramente a rigidez nos leva à evolução. Para encontrar soluções novas é preciso abrir mão e se desapegar de idéias fixas. Em situações de incerteza, é bem comum buscarmos o controle, o seguro, o conhecido. Mas é justamente nessa hora que precisamos confiar. A confiança é o oposto do controle e o desapego nos ensina a soltar, a observar nossas reações diante de um desafio, ao invés de ser tomado pelas emoções. A leveza da confiança e o senso de humor trazem uma distância da situação que nos permite  olhar com objetividade para ela, tratando-a de uma forma mais sábia.

O Arquétipo do trapaceiro que algumas pessoas conseguem personificar muito bem, faz a pessoa aprender a rir de si mesma. O embusteiro, o trickster, outros nomes para esse mesmo arquétipo, trabalha na inversão. Se está sério demais faz rir, é o coiote da cultura norte-americana, que provoca uma queda para a pessoa se dar conta do que está fazendo. Cair e rir da queda, é pura sabedoria. O malandro na nossa cultura, que choca as pessoas ao mostrar-lhes seus apegos e hábitos arraigados, trabalham nas surpresas e no inesperado da vida. O sair da rotina, quebra padrões,  faz mais visível onde existe apego que nos leva à rigidez e controle. Rigidez nos lembra a morte, corpo rígido e sem vida. Flexibilidade possibilita o fluir da vida. O senso de humor é fundamental pois ele solta o corpo, e nos matem flexíveis, gerando abertura para criatividade.

O desapego aos resultados, parece ser a orientação maior do Arquétipo do Mestre. Estamos acostumados por um tipo rígido de educação, a querer encontrar sempre a resposta certa.  Se temos a abertura do desapego estaremos envolvidos a querer encontrar a melhor resposta. Segundo Harrison Owen, existem quatro princípios do desapego que seguem o princípio da aceitação, que permite manter nossa mente aberta para novos resultados, são eles: “Quem quer que esteja presente é a pessoa certa para estar aqui; Seja quando for que comecemos, é sempre o tempo certo; O que acontece é a única coisa que poderia ter acontecido; Quando acaba, acaba.”

Aceitamos as experiências tais quais elas são, ou relutamos o tempo todo com o que se apresenta?  Outro meio de aprendermos sobre o desapego se dá através da perda. Segundo William Bridges toda perda se encaixa numa dessas seis categorias: perda de laços, perda de rumo, perda de estrutura, perda de um futuro, perda de significado, perda de controle. Quando realmente não tem jeito e o desapego é uma ordem, vai sofrer mais quem reluta. O novo sempre vem, independente de estarmos preparados ou não.

Podemos aprender lições de nossos ancestrais, através de seus ensinamentos de vida, modelos e lições transmitidas. Que heranças boas, verdadeiras e belas você tem recebido de seus pais, avós? Verdadeiras bênçãos de vida que quando honramos só nos fortalece.

Nossos mestres podem ser qualquer pessoa que nos faça agregar mais sabedoria à vida, podem ser familiares, amigos e até mesmo inimigos. Esses são então os que ensinam as mais profundas lições. E não podemos esquecer dos mestres históricos, figuras consagradas e também os mestres espirituais e do mestre interior, esse que apenas com o silêncio e isolamento  podemos acessar a sua voz.

Sílvia Rocha – psicóloga transpessoal junguiana, arteterapeuta. Crp: 05/21756



OS: Dedico este artigo a todos os mestres que passaram em minha vida, que estão e ainda vão passar. A meus ancestrais, principalmente a meus pais. A meus clientes e alunos que fazem de mim mestra e eterna aprendiz.

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Espelho espelho meu...


Espelho espelho meu...

“Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos”- Humberto Maturana

                Ainda sobre o arquétipo do visionário, da obra de Angeles Ariens, O Caminho Quádruplo, citado na outra semana, podemos nos deparar com nossa capacidade de ver. Ver o outro, a realidade, a si mesmo. Achamos que vemos nitidamente, porém estamos influenciados e cheios de referências internas que não nos ajudam a ver com clareza.

Com o conceito de Auto-poieses de Maturana e Varela, cai por terra a baixo a noção de que podemos apreender o mundo através de nossas percepções. Auto (si mesmo) Poiesis (criação ou produção) significa que estamos a todo momento nos auto-criando e reforçando nossa identidade de quem acreditamos que somos.  A realidade não entra de fora para dentro, não construímos  representações de uma realidade exterior objetiva. E sim atribuímos ao ambiente, padrões de comportamento de nossa lógica interna de organização. Através da contínua atualização dos padrões internos estamos permanentemente produzindo a nós mesmos numa auto-organização.

Assim nossas crenças a respeito do mundo, das pessoas, das relações, dos sistemas políticos, e de nós mesmos, fazem uma retroalimentação e continuam a se manifestar mesmo que não concordemos ou até mesmo não desejemos manter as coisas como estão. Reforçamos o que percebemos e o que percebemos tem a ver com quem somos. Então, precisamos mudar a nós mesmos se o que vemos não nos agrada. Não estamos fora do mundo como um expectador que pode julgar e criticar o que vê sem se implicar nele. Desde o advento da Física quântica não podemos mais falar em neutralidade do observador. Influenciamos o que vemos.

Em outras palavras projetamos quem somos na realidade que vemos. Percebemos através de filtros, selecionamos de acordo com nosso mapa interno. Por isso é preciso questionar sempre a formação destes filtros e limpá-los de vez em quando. A auto-reflexão parece ser o caminho para essa “limpeza”.  É o espelho se voltando para dentro. Se pararmos pra pensar que o que estamos vendo é um reflexo nosso, podemos talvez começar a ter alguma abertura para o novo.

Questionar que crenças nutrimos sobre nós mesmos vai nos dizer sobre nossa auto-estima e auto-valorização. Para quem não tem costume de se auto-observar e trabalhar sobre seu próprio auto-conhecimento, projetar em outra pessoa tanto seu lado admirável quanto seu lado abominável, torna-se fácil. Partes não integradas pela consciência vão para o lado de fora. Assim se não assumo minha capacidade de liderança, percebo-a em alguém que exerce-a com brilhantismo e posso passar a admirar essa pessoa, acreditando que nunca serei como ela. São chamados de espelhos claros, segundo Ariens, aqueles que nos refletem, porém continuamos a idealizar. Não somos capazes de ver que também temos capacidade de liderança, por exemplo. Podemos trocar a liderança por beleza, inteligência, esperteza, simpatia, sociabilidade, poder, disposição, etc.

Quando essa admiração vem com um sentimento rancoroso, podemos chamá-la de inveja. Que nada mais é do que in (não) veja (ver), quando não vemos que também podemos ser como o outro. Somos todos espelhos uns para os outros. E podemos trocar a inveja ou admiração por inspiração. O que o outro me provoca pode ser de grande valia para meu próprio desenvolvimento. Ele pode me inspirar a também alcançar algo. Basta sair da atitude comodista de apontar o dedo para o outro e mergulhar em si mesmo.

Espelhos esfumaçados são as pessoas com as quais sentimos dificuldades e não queremos parecer com elas de jeito nenhum. Como filhos que não querem se parecer com seus pais e de tanto fugirem dessa imagem acabam por imitá-los mais cedo ou mais tarde. Espelhos rachados são as pessoas que amamos e admiramos, mas por algum motivo sentimos medo ou constrangimento diante delas. Para perceber uma projeção, basta pensar em algo que o irrita muito no outro. Agora pare para pensar se isso faz parte de você, aquilo que você deseja fortemente esconder. O conteúdo da projeção geralmente tem uma carga emocional e energética forte, tanto boa quanto ruim.

É difícil ver o outro como ele realmente é, uma boa dose de projeção e fantasia sempre acontece. É incrível como alguns jovens casais apaixonados que acreditam que encontraram suas almas gêmeas no início, passam a odiar seus respectivos com o tempo. A base da decepção é a projeção, quando tapamos o sol com a peneira, e só queremos ver o que o outro tem de bom. Conhecer o outro requer tempo e maturidade.

 Todo ser humano é um conjunto muito interessante de luz e sombra. E se dermos oportunidade aqueles que nos espelham podem se tornar nossos grandes mestres.

Sílvia Rocha - psicóloga