sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Emoções:o que eu faço com o que eu sinto


Emoções: O que eu faço com o que eu sinto?

“Amor divino é nossa real natureza” – Amma

“Nenhuma teoria ou ciência do mundo
ajuda tanto uma pessoa quanto um outro ser humano
que não tem medo de abrir o coração para o seu semelhante.”
Elizabeth Kubler Ross

 

Não faz parte em nenhuma grade curricular, uma disciplina que nos ensine a lidar com as emoções. E é de pequeno que aprendemos ou não a expressá-las. É na infância que modelamos como vamos lidar com o mundo, através das interações que temos, a como respondem ao que queremos. Uma criança fica à mercê de como um adulto responde a suas expressões. Na cultura machista, um menino é reprimido a chorar desde pequeno: “homem não chora”! E às meninas não devem expressar raiva: “Nossa que horror, parece um menino!” Essas repressões causam um mal-estar, pois toda emoção precisa ser expressa. Meninas “boazinhas” e delicadas acabam por “engolir muito sapo” e meninos machões por sofrerem calados.

As emoções básicas de raiva, medo, tristeza e alegria são reações instintivas de sobrevivência ao estado essencial do ser humano que é o amor. Quando eu sinto o meu amor invadido eu tenho raiva, quando eu sinto o meu amor ameaçado eu sinto medo, quando eu perco o meu amor eu me entristeço e quando eu compartilho o meu amor eu me alegro. A educação emocional começa quando eu consigo saber o que eu estou sentindo e dou nome à emoção. O próximo passo é procurar a melhor forma de expressá-la. Eu paro e penso a melhor forma de agir. Isto é inteligência emocional.

Para a educação de crianças é bom aproveitar o momento em que a criança está sentindo e reconhecer uma boa oportunidade de aproximação. Dar espaço para que ela se expresse e legitimar confirmando seus sentimentos: “Isto que você está sentindo é raiva”. “Você pode socar uma almofada ou chutar uma bola, mas não pode bater no seu colega.” A raiva é uma emoção forte que impulsiona pra frente, para conquistas e defesa do território. Não precisa ser manifesta em forma de violência ou agressão. Se reprimida pode causar doenças e se alimentada também. Uma vez expressa de forma adequada, ela tende a ir embora.

Segundo C. Steiner, existem seis níveis de consciência das emoções:

1. Insensibilidade – Opera na negação da emoção e na primazia da razão. Julgar é mais fácil do que sentir. 2. Experiência Primitiva –Várias emoções ao mesmo tempo acometem o indivíduo, que despreparado se perde e se angustia com este estado confuso.
3. Somatização – O corpo sofre através de mal estares e doenças o que a mente não conseguiu elaborar (e que não houve expressão). Assim, uma tristeza sai em forma de resfriado, uma raiva por uma dor de estômago e um medo por um torcicolo, por exemplo.
4. Diferenciação – Já é possível nomear as sensações e saber o que fazer com elas. Aos poucos, as diferentes nuances emocionais podem ser expressas em concordância com sua intensidade e repertório de possibilidades de ação.
5. Empatia – Porque conhece e compreende suas emoções, a pessoa pode sentir junto o que o outro está sentindo, facilitando a comunicação, a compreensão e a compaixão.
6. Interatividade emocional – Além de sentir junto, saber o que fazer com a emoção do outro, respeitando a si próprio e apoiando o outro com amor e inteligência.

Uma raiva bem canalizada chama-se assertividade: saber dizer não na hora certa, dar limites, proteger seu espaço e tempo. Funcionários que não conseguem dizer não, sobrecarregam-se de serviço e se  prejudicam, além de ter a qualidade de seu trabalho comprometida.

Se uma tristeza é ignorada e a pessoa resolve ir a uma festa, no dia seguinte é muito provável que ela esteja gripada. O corpo compensa, pois na tristeza uma energia foi perdida, o aquietar-se serve para repor a energia perdida, o chamado luto que precisamos respeitar o tempo de recolhimento para chorar a dor.

Já o medo tem a função de proteger, ninguém que queira preservar sua vida, vai atravessar uma rua sem olhar se vem carro. Medos fantasiosos ou mal resolvidos de traumas é que se vão se arrastando podem gerar uma síndrome do pânico.

Até mesmo a alegria se não expressa de forma adequada pode trazer algum mal estar. É que o exagero da euforia desequilibra. Celebrar na medida certa é bem aconselhado e voltar para o estado de equilíbrio do amor.

A honestidade emocional tornar-se importante para a saúde emocional, o querer parecer sempre bem pode prejudicar.

A consciência das emoções varia o tempo todo. Em determinada situação pode-se estar insensível e em outro interativo. Existe uma capacidade auto-regulatória de nosso organismo emocional que se assemelha ao físico. Da mesma forma que quando não suportamos a dor, desmaiamos, quando não estamos prontos a sentir, sublimamos ou ficamos insensíveis. É uma sabedoria corporal inconsciente. O que é bom é atentar ao que precisa ser atualizado: Se você sempre é insensível ou se vive somatizando, é hora de se oferecer espaço e permissão para sua evolução. Da mesma forma que água parada dá mosquito, energia parada no nosso corpo causa dores, neuroses e doenças. A razão pertence ao nosso estado adulto assim como as emoções pertencem ao nosso estado criança. Respirar com consciência é um bom exercício para contactar as emoções de nossa criança interior. Chorar quando se está triste, dar limites quando sente raiva, proteger-se quando
sente medo. Ao liberar-se de quaisquer emoções que estejam apertando seu corpo, ele se expande e relaxa para viver a alegria que é estar pleno e confiante no fluxo do amor.

Sílvia Rocha – Psicóloga formada pela Uerj, especialista em Psicologia Junguiana, Arteterapeuta, Terapeuta familiar sistêmica


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O papel da arte para a individuação

O papel da arte para a individuação
 
O filme “Somos todos diferentes” (Taare Zameen Par, índia, 2007) produzido por Aamir Khan trata da história de um menino de 9 anos com dislexia que tem dificuldades de aprendizado, porém possui grande capacidade artística e de fantasia. Em seu contexto escolar sua individualidade não é percebida e nem respeitada e sua dificuldade tratada como mal comportamento. Porque não conseguia aprender, sentia-se desmotivado, distraindo-se facilmente.
                Tinha fascínio pelo mundo natural, peixes, poças de água, cachorros, passarinhos nos ninhos que o levavam a mergulhar no mundo da imaginação. Vivia num ritmo bem diferente do exigido pela sociedade. Tentaram enquadrá-lo num mundo cujas exigências iam contra sua natureza artística, livre e emocionada. O drama maior se deu quando foi separado de sua família para ver se o colégio interno dava “um jeito” em sua maneira de ser rebelde como era considerado.
Sozinho, distante da família, sem compreensão, numa escola rígida e com métodos de aprendizagem antiquados com castigos e palmatórias, o menino sofre até ficar deprimido. Nesse momento um professor substituto de artes e com métodos mais humanos o percebe. Não só o percebe, mas o vê. Consegue enxergar qual era sua real dificuldade e seu verdadeiro talento. Esse menino como o professor fala no filme poderia ter se perdido, surtado, desabado num abismo sem volta. Um professor sensível e realmente capacitado estendeu a mão e o ajudou. Mas o que antes fez com que chegasse a este estado depressivo e aparentemente sem saída foi o sistema, a sociedade. Tanto os pais quanto a escola exigiam uma adaptação do menino que estava além de sua capacidade.  Às vezes não se adaptar a um sistema doente pode ser um sinal de saúde. Esse processo de massificação que tole o indivíduo de seus instintos criativos, de sua individualidade, passou a ser tão nocivo para o menino do filme, que quase o destruiu psicologicamente falando.
Quantos meninos com histórias semelhantes a este devem existir no mundo? Quantos de nós mesmos já não nos sentimos roubados de nosso Ser (Self) devido a uma necessidade de adaptação? Reflexões essas que reclamam a alma!
Cabe ressaltar o papel importante que a arte teve no filme e tem na vida. É ela que faz expressar as emoções de uma alma calada a gritos e palmatórias. É a arte que faz ressucitar o Ser (Self) acuado e reprimido. Foi a arte que permitiu ao menino protagonista ser reconhecido e ter sua dignidade resgatada. Pois do menino que só lia letras dançantes ou espelhadas, tinha a alma flamejando em ricas cores. Seu movimento psíquico e vital era tanto que não cabia numa sala de aula com cadeiras dispostas em filas e metodologias enrijecidas. Tão pobre de espírito era a professora que gritava que não podia ver a jóia que cintilava nos olhos do menino. Com certeza o passarinho que piava ou as poças de água de chuva eram muito mais divertidas, e portanto cheias de vida.
Os pais preocupados com o mundo competitivo, com resultados e sucesso, também não enxergavam o garoto. Suas almas também estavam devorados por Cronos, o Deus do tempo. Num ritmo frenético que descompassa o coração, aceleravam o menino que bailava com as poças, se deitava com os cachorros e voava em sua imaginação. Transferiram a responsabilidade para o colégio interno, em regime militar onde até marcha os meninos tinham que aprender. E quem não marchasse direito, era rechaçado, assim como quem não entrasse na massa era desqualificado.
Quando o menino já estava mergulhado num inferno, acuado e rejeitado, o professor substituto de artes, chega como um Ser mais individuado e humano oferecendo a ajuda e a inspiração necessárias. A relação dos dois, o resgata das profundezas e faz emergir seu real talento expressivo. Um Ser individuado e criativo tem o poder de inspirar outros a se tornarem também individuados e criativos. Esse professor faz a ponte do menino com ele mesmo, com seu real potencial e talento, dele com os pais. E ainda traz de volta aos professores uma oportunidade de resgatarem sua criança interior. Na competição de artes, o convite se estende aos professores que revisitam suas infâncias adormecidas ao sentarem no chão e deixarem fluir a imaginação. A inspiração vinda desse professor foi tanta que consegue facilitar a transformação da escola, a partir da humanização dos professores.
Vejo o quanto de curativo e restaurador foi essa relação do professor com o aluno tido como problemático, do professor com os outros professores e também do menino com os pais:  Proporcionou relacionamentos mais verdadeiros, tornando a escola um lugar mais propício a real aprendizagem e desenvolvimento de individualidades. Porque ele mesmo passou dificuldades de aprendizado em sua infância, e possivelmente enfrentou desafios semelhantes, pôde escutar uma demanda silenciosa. O professor foi mais do que um professor, foi um curador arquetípico: O curador ferido.
Ele mostrou que o menino apenas via o mundo de forma diferente e não errada. E que de formas alternativas de ver é que se faz a diferença no mundo, como cientistas e gênios consagrados mudaram o rumo da história.
O processo de individuação significa tornar-se aquilo que já se é. Descobrir-se, desvelar-se, leva a uma sensação de realização, ao mesmo tempo de auto-valorização e auto-estima. A expressão criativa através da arte torna visível o mundo interno, pelas imagens criadas, tons, cores, gestos, pinceladas, esculturas, construções ou escrita. A arte revela, anuncia, expressa dores, sintomas e potenciais adormecidos. Apresentar um material de arte para uma pessoa é favorecer um encontro dela com ela mesmo,  colocando-o num confronto com sua própria alma. É servir de ponte ao que precisa atravessar, é partejar o novo, é ajudar a pessoa a contar uma nova história, facilitando com que a vida possa voltar a fluir.
No filme como na vida, existem desafios que todos temos que enfrentar. A arte pode ser o espelho que nos leva a enxergar com maior clareza as imagens que revelam os estados da alma. A arte pode ser o veículo que nos leva a muitas estações e nos ensina a pilotar e escolher direções na jornada da vida.
Sílvia Rocha – Psicóloga formada pela UERJ (crp:05/21756), especialista em Psicologia Junguiana (IBMR), Arteterepeuta e Terapeuta Familiar Sistêmica
Contato: e-mail: silviaayani@gmail.com

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Pai: Herói e bandido


Pai, herói e bandido

                Nesse mês dos pais, como ficarmos sem refletir sobre essa figura tão complexa e esse papel tão importante que é ser pai. Convenções à parte, porque todo dia é dia de ser pai, esse mês nos traz mais de perto essa relação que é de pai e filho. Difícil fugir! Na televisão, na escola, nas redes sociais, somos invadidos por essa enxurrada comercial do dia dos pais.  O apelo muitas vezes sentimental faz disfarçar a realidade que nem sempre é feliz. Para quem o pai morreu, a saudade, para quem não tem pai presente, porque não sabe de sua existência ou porque está distante, a tristeza. Para quem o pai comparece, a alegria!

Existem vários tipos de pais e situações: Pai omisso, pai ausente, pai distante, pai autoritário, pai super protetor, pai provedor, pãe ( que é pai e mãe), pai aventureiro, pai educador, pai amigo, futuro pai ansioso  e até pai que ignora ser pai. Porque mãe não dá pra não existir, não saber que se é, mas pai pode nunca ter sabido que se foi. Pai fica rendido nesse momento, porque a mulher pode nunca contar.  Pai pode abandonar mesmo sabendo, virar as costas e ir embora. Não que mãe não abandone, mas mais difícil deixar aquele ser que saiu de suas entranhas, quase como um prolongamento de seu corpo e de seu ser. O que fazer com aquele ser frágil que acaba de nascer e que o médico ou parteira coloca em seus braços? Pai pode nem querer ver e estar bem longe nessa hora para não entrar em contato com qualquer sentimento que possa surgir. Existem mães que jogam fora, como se fosse lixo, infelizmente sabemos dessas histórias humanas.  Não sabemos o grau de doença mental, de perturbação ou de miséria física ou espiritual. Essas histórias tristes existem. Mães que dão para outras mães porque não podem cuidar, mas pais que fogem da responsabilidade não se preocupam em dar para outro pai.

Se o pai abandona, a mãe vai ser pai e mãe. Ou outra figura vai chegar e exercer o papel de pai, seja tio, avô ou padrasto. Nem sempre quem exerce o papel é aquele que tem a função biológica. É porque papel, vestimos ou não, como quando somos professores de alguém ao ensinar  algo, mesmo não sendo professor. Mesmo não sendo o pai biológico, e não tendo a obrigação, tem homem que assume a paternidade, mesmo não vendo suas características físicas ou modo de ser no filho, adota como seu, recebe-o em seu coração e assume a responsabilidade. Assim como existem pessoas que abandonam, existem pessoas que abrigam, acolhem. Escolhem cuidar, educar, se doar, amar.

O pai que abandona, rejeita ou vive frustrando o filho com promessas não cumpridas, geralmente são pais separados das mães, que não conseguiram entrar no papel de pai, porque não cresceram, porque eles mesmos ainda estão na condição infantil de filho. Ritos de passagem tão comuns nas sociedades tribais carecem na nossa e encontramos homens imaturos até 40, 50 anos. Para crescer é necessário tomar seu pai e sua mãe, saciar-se desse amor, aceitar os pais como são, receber do jeito como foi possível e se não foi possível, porque morreu ou não conheceu, agradecer pela vida.

Quem vive julgando os pais, criticando, reclamando, não está tomando os pais e está se prejudicando. Está como juiz ou outra autoridade superior aos pais e por isso não sabe receber como filho. Só quem é pequeno recebe do grande, como só quem é humilde pode aprender. Na arrogância não se aprende, não se recebe, pois o pote está cheio e não cabe mais nada. No mínimo uma pessoa recebeu um óvulo e um espermatozoide, o que significa a vida. Há quem diga que dar a vida não é suficiente. Daí cabe a reflexão: A vida é pouco? Em famílias de crianças adotadas percebemos que o melhor que poderia ter ocorrido, foi a criança não ter ficado com seus pais biológicos, muitas vezes o lar era violento, com doença mental ou condições muito difíceis. Neste caso a criança pode homenagear ambos os pais: o que deu a vida e o que criou. O sentimento de pertencer faz a vida fluir.

Exigir que um pai que não quer ser pai, venha ver seu filho, pode ser mais difícil para a criança do que crescer sem essa figura paterna. Crianças sempre se adaptam melhor do que adultos, tem mais facilidade para externar emoções e criar soluções porque não estão ainda contaminadas por julgamentos. Adultos julgam muito e tendem a querem controlar a vida do jeito que pensam que é o certo. O controle pode ceder lugar à confiança na vida, quando aprendemos a aceitar que nem sempre temos o que gostaríamos, mas o que é possível e talvez o que precisamos para amadurecer, nos desenvolver como seres humanos em evolução.

Existe também a situação de pais casados em conflito em que o pai fica ausente de casa não só fisicamente, mas quando está em casa a cabeça em outro lugar, perdendo a conexão não só com a esposa, mas com o filho. Nesses casos quando os pais se separam, o filho acaba ganhando um pai que nunca teve quando moravam juntos. Casais têm conflitos, mas dependendo de como lidam com ele, podem amadurecer como pessoas e como casal e voltar a momentos de serenidade até o próximo conflito, ou estagnar e não ter mais nenhuma renovação, causando afastamento, fazendo a relação se congelar e morrer.

Hoje também vemos que num casal estável as funções de pai e mãe se alternam entre os homens e as mulheres. Ambos saem para estudar e trabalhar e precisam se organizar como uma equipe cooperativa, quando um sai o outro fica de pai e mãe. Bom mesmo é quando estão todos juntos desfrutando da simples presença e das relações. Momentos esses que se tornam únicos na vida de uma criança, principalmente se verdadeiros, vai incentivá-la a ter bons relacionamentos no futuro. Dificuldades todos têm, negá-las faz com que não se possa resolvê-las. O amor que vem lá de dentro e que transcende qualquer papel ainda é a cura para muitas, senão todas as feridas.

OS: Dedico esse artigo a meu Pai, Paulo Martins pela vida, por tudo que você me deu, e por ser um modelo de pessoa digna, verdadeira, consciente, presente e humana. E ao pai do meu filho Fabiano por ter me dado a oportunidade de ser mãe e aprender tanto! A todos os pais de todos os tipos, minha homenagem!

 Sílvia Rocha – Psicóloga transpessoal formada pela UERJ, especialista em psicologia junguiana (IBMR), Arteterapeuta. Crp: 05/21756, Terapeuta familiar sistêmica


 

 

 

Sonhos


Sonhos

“Os que estão acordados têm um mundo em comum,

mas adormecidos cada um se volta para o seu próprio mundo.” Heráclito

“Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro, desperta.” C. G. Jung

“No sonho cada um é o seu próprio Sheakespeare.” Schopenhauer

 

                Existem sonhos que nos alegram e trazem alívio e outros que nos atormentam, os que chamamos de pesadelos e até os engraçados, sonhos repetitivos que temos durante toda a vida ou durante uma fase e também há quem diga que não sonhe. Na verdade, todos sonhamos, é uma atividade produzida pela nossa psique, só que algumas pessoas não se lembram do sonho. 

                O sonho é uma realidade psíquica e ele tem uma eficácia por si mesmo, pois ajuda a trazer à consciência algo que estava encoberto pela própria pessoa. Para os xamãs, existem os grandes sonhos e os pequenos. Os grandes sonhos são aqueles normalmente sonhados por chefes e líderes ou pelos curandeiros e trazem alguma mensagem visionária para o coletivo. Já os pequenos trazem mensagens particulares para quem os sonha.

                Os sonhos revelam nossa realidade interna e fazem a integração entre o consciente e o inconsciente. Eles contêm imagens que aparecem espontaneamente apontando pistas e indicações de como estamos internamente. Segundo Jung: “O sonho é uma auto-representação espontânea, sob forma simbólica, da situação do inconsciente.”

                Para Freud, “o sonho é a realização (disfarçada) de um desejo reprimido.” Jung amplifica dizendo que não só desejos e também não disfarçam e sim são vivos, uma manifestação autêntica da natureza. Quando uma pessoa conhecida aparece no sonho, significa a pessoa mesma e não outra, ou melhor como o sonhador representa aquela pessoa conhecida. Se uma pessoa desconhecida aparece no sonho, corresponde a um aspecto do sonhador. Todas as partes do sonho, inclusive seus personagens dizem respeito aos aspectos da personalidade do sonhador.   

                Os sonhos funcionam como uma função auto-reguladora da psique principalmente compensando atitudes conscientes  muito polarizadas. Com essa função compensatória, se uma pessoa toma atitudes ou posicionamentos extremados em sua vida, é possível que vá sonhar com seu oposto. Por exemplo, se o moralismo é exagerado em sua vida, a pessoa pode ter sonhos que considera imorais. Aliás, parece ser bastante humano o conflito que gira em torno dos instintos versus adequação social. Um outro exemplo, é se a imagem de alguém é exacerbada, como nos casos de idolatria, é possível sonhar que a pessoa está menor, num lugar mais baixo ou com uma atitude depreciada, para compensar.

                A função complementar também vai agregar ao sonhador o que está faltando formando uma totalidade. Se um homem é noivo, vai sonhar que está junto com sua amada, o que já não acontece se o homem é casado e possui convivência cotidiana com sua mulher. Os sonhos vão trazer o que falta para complementar. Eles também podem nos ajudam a fazer um luto quando houve a perda de alguém. Sonhar com quem morreu ajuda a elaborar a perda, assim como resolver assuntos pendentes.

                Nos sonhos aparecem imagens que tentamos esconder em nossa consciência, não só desejos, mas também os medos. A sombra pode ser revelada. E a sombra não é somente aquilo que não queremos ver, mas aquilo que temos dificuldade de admitir. Pode ser também forças, potenciais que não foram permitidos serem expressos, que não foram totalmente assumidos.

De todas as formas, para se interpretar um sonho, é preciso conhecer a realidade do sonhador, sua história de vida, seu momento atual. Dicionários de sonhos e símbolos são úteis, mas não devemos nos apegar em uma única possibilidade. Quem deve interpretar é a própria pessoa que sonhou, e esta pode ter a ajuda de alguém que a acompanha.

O sonho com morte de alguém raramente significa a morte real, mas um processo de transformação. Sonhar com a morte dos pais pode significar um processo de amadurecimento, como se a pessoa não estivesse precisando tanto de suas figuras parentais. O sonho com animais quase sempre significa forças instintivas e de acordo com cada animal vai trazer uma força específica. A serpente pode ser sexualidade, cura de doenças, renovação, acesso ao inconsciente, etc. Pode conter tantos significados num só símbolo, que é preciso analisar outros sonhos, o momento da pessoa e as associações que ela mesma faz para poder concluir. Se é que se pode concluir. É preciso ter humildade perante essa força que é o inconsciente, portanto prefiro chamar de pistas e orientações que os sonhos nos dão, ao invés de conclusões.

                A função prospectiva do sonho já se refere a um aviso, quase profético de que algo está para acontecer. A pessoa pode já perceber intuitivamente que algo está para se manifestar em sua vida, mas não está suficientemente claro para admitir para si mesma. O sonho vem para prepará-la. Há ainda os sonhos telepáticos, que a ciência ainda não conseguiu explicar, mas que de alguma forma podem ser confirmados. 

As funções dos sonhos são tantas quanto a quantidade de símbolos. Nossa capacidade psíquica é inesgotável e está sempre produzindo novidades.  Os sonhos são muito úteis nos tratamentos psicológicos, segundo Jung, o psicoterapeuta é um tipo de xamã que ajuda a tornar mais claro mensagens vindas do inconsciente. Eles são misteriosos, são amigos, e nos mostram o ponto em que estamos em nossa caminhada de evolução.
Sílvia Rocha - Psicóloga

domingo, 19 de julho de 2015

Corpo de Dor e Presença

Corpo de dor e Presença
“As coisas são como são até que a gente comece a transformá-las.” Autor desconheciedo
“Quando perdes contato com tua quietude, perde contato contigo mesmo, Quando perdes contato contigo mesmo, tu te perdes do mundo.” Eckart Tolle
            Presença tem sido uma coisa rara de se alcançar no mundo de hoje. Não basta estar presente fisicamente, cumprindo um compromisso, batendo um ponto. Presença é muito mais do que isso. É estar de corpo e alma sentindo o momento presente, sem preocupações futuras ou pesos do passado. É um estado de ser, um ponto zero sem contaminações emocionais que nos leva a um estado de paz.
            Crianças são mestres em nos ensinar este estado de ser fluido assim como pessoas que trabalham seu auto-conhecimento, tem consciência de si, estão despertas e plenas. Difícil mas não impossível de se encontrar. Essas pessoas inspiram outras a estarem em sua verdadeira essência, a serem essencialmente verdade.
Mas o que mais encontramos são pessoas estressadas, irritadas, com pressa, insatisfeitas, que reclamam o tempo todo, negativas, distantes de sua verdadeira essência. Tenho visto nas redes sociais conselhos para se afastarem de pessoas negativas, como se estas fossem o capeta capazes de fazer o mal só porque não estão bem consigo mesmas.
Então teremos que nos afastar e nos isolar de muita gente e viveremos assim cada vez mais distantes uns dos outros. Não poderemos desabafar, pois estaremos falando coisas negativas. Conheço pessoas espiritualizadas que temem estar perto de pessoas negativas. Que espiritualidade é essa que dá as costas a quem mais precisa de ajuda?
Como se julgasse ser melhor do que o outro, e nunca tivesse um momento difícil em sua vida. Como se só o belo e o agradável fossem dignos de atenção. O dia em que pararmos para estarmos presentes para o outro que necessita de ajuda, viveremos muito melhor.
Às vezes tudo o que uma pessoa que reclama precisa é de amor e atenção. A reclamação acontece porque a pessoa está lotada de pensamentos e sentimentos negativos. É uma depressão disfarçada. Situações mal resolvidas no passado, frustrações e muitas vezes uma auto-cobrança e auto-crítica que não a permitem estar satisfeitas consigo mesmas.
Eckart Tolle, autor do Poder do Agora, chama de corpo de dor ao campo energético que existe em volta das pessoas fruto do acúmulo de dores emocionais antigas. Então é como um ímã, esse corpo de dor atrai somente pensamentos e sentimentos que estão em sua vibração. Por baixo dele existe o medo de sofrer novamente e uma vontade de controlar os acontecimentos. Uma pessoa que não consegue relaxar, fica doente emocionalmente, além de ter seu corpo contraído e emoções somatizadas causando dores e doenças.
O stress muitas vezes vem de um estado psíquico, não somente pelo acúmulo de tarefas e a corrida contra o tempo. Mas de uma pressão interna em fazer a coisa certa, em se sentir aceito, em evitar problemas, em se proteger. Pais de primeira viagem com filhos recém nascidos passam por um momento de paranóia, tentando pensar em tudo de ruim que pode acontecer com sua cria, para poder protegê-la. Depois com o tempo essa paranoia vai passando e os pais relaxando. Mas tem gente que passa a vida toda criando em sua mente tudo o de ruim que pode acontecer para proteger seus entes queridos, faz parte de seu corpo de dor.
Pessoas assim estressam não somente a si próprias como quem está em volta e precisam de ajuda para sair disso. O primeiro passo é tomar consciência que estão mal. Aquelas pessoas que estão mal, mas se consideram ótimas estão fechadas a receber a ajuda necessária. São pessoas que não se responsabilizam por seus estados emocionais. Estão sempre culpando outras pessoas ou acontecimentos, colocando-se como vítimas.
Há uma negação tão grande, seu corpo de dor está tão profundamente arraigado que realmente é muito difícil ou quase impossível uma mudança. Pessoas com mais idade que passaram a vida toda dentro dessa estrutura, quando fazem terapia, vão mais para desabafar. Psicoterapeutas por mais que percebam essa dinâmica precisam respeitar os limites de cada um. Por mais frustrante que possa parecer, acompanhar seus pequenos avanços é o melhor a ser feito. O respeito e o amor pelos limites de cada um, dando uma atenção que talvez a pessoa nunca tenha tido.
Um caminho de auto-conhecimento pode ser impulsionado por um amigo, por uma leitura, uma palestra, um filme. Quem já está realmente disposto a ter um avanço, um salto de consciência, a quebrar padrões enrijecidos, e acredita que a felicidade é uma possibilidade real, precisa entrar na humildade. Focar não na perfeição, pois esse é um ideal impossível, mas na integração. Um caminho de auto-conhecimento e cura é para a vida toda. Expandir a consciência é sempre uma possibilidade quando existe essa intenção genuína.  Reconhecer seu corpo de dor é o primeiro passo para se separar dele e não deixá-lo mais dominar sua vida. Enquanto está inconsciente, ele fica autônomo, fazendo o que quer, quase como um outro ser dominando sua vida. Trazer para a consciência é começar a dominá-lo e transformá-lo num corpo de maior presença.
Quando estamos presentes plenamente a vida flui. E não é estar equilibrado o tempo todo, sempre em paz, porque  se pararmos, enrijecemos e morremos. Momentos bons e difíceis todos temos, estar atento às emoções vindas dos pensamentos é que faz a diferença. Também podemos observar e escolher  alguns pensamentos que vem em nossas cabeças pois podem ser repetições dos pais, dos avós, da sociedade, como uma programação. Escolher o que pensar e sentir é estar desperto e presente independente  da situação vivida. É estar livre para viver o que a vida nos traz.
PS : Dedico este artigo a Kelly Van Raalte pela sua presença inspiradora em minha vida, pelas experiências que transcendem as palavras, pelos compartilhares mútuos que nos movem a sermos pessoas melhores e divinamente humanas!
Sílvia –psicóloga transpessoal formada pela UERJ (crp:05/21756), especialista em Psicologia junguiana, Arteterapeuta e Cosnteladora Familiar Sistêmica

terça-feira, 30 de junho de 2015

Misoginia: Você sabe o que é?









Misoginia: Você sabe o que é?

            Tão comum em nossa sociedade, em empresas e infelizmente tão comum dentro dos lares, a Misoginia se refere ao ódio, desprezo ou repulsa ao gênero feminino. Pode se manifestar em diversas graduações desde piadas até a violência física contra a mulher. Difícil crer que isto seja tão normal e justamente por falta de informação é que se cria uma aceitação em torno de certos comportamentos que depreciam a mulher.

            A própria mulher muitas vezes se coloca em posição de menos valia, basta ligar a TV e ver mulheres em comerciais, posando como prêmios, sendo reduzida a seus aspectos corpóreos e sensuais. Não que isso não seja um belo atributo feminino, a redução a objeto é que é o problema. Tanto homens como mulheres são responsáveis por isso. Mulheres precisam aprender a dizer não, para certos papéis, que são convidadas a entrar. Basta acordar para isso. Homens precisam descobrir que as mulheres têm muito mais a oferecer do que simplesmente satisfazer seus instintos básicos.

Historicamente temos uma carga pesada de se carregar quando no mito de Adão e Eva, a mulher é tida como causadora da queda do paraíso. É a mulher que peca, que tenta o homem, que é a raiz de todo mal. A mulher fica condenada nesse lugar e somente na imagem de Virgem Maria, como mulher santificada, é que o feminino se enaltece. O feminino fica cindido e a mulher ou é santa ou é pecadora, prostituta como Maria Madalena fora primeiramente concebida.

Não é à toa que encontramos até hoje homens que mantém uma mulher “santa” em casa para ser mãe de seus filhos e uma amante para ter com ela seus momentos de prazer. Homens e mulheres pela metade, que não podem ser plenos em seus relacionamentos. Em escritos mais contemporâneos, encontramos Maria Madalena como esposa de Jesus, fiel e parceira. Essa imagem de um casal sagrado já nos inspira mais a encontrar o equilíbrio e harmonia entre gêneros.

            Uma outra redução que ocorre com as mulheres é serem colocadas no lugar de “muito emocionais, loucas, irracionais, não pensam direito”. Homens desrespeitam mulheres e mulheres acolhem como se merecessem. Não só violência física agride, mas a verbal pode doer e  muito:

“Não é nada disso, você está viajando de novo!”, “Você não entende nada sobre isso, melhor ficar calada”, “Impressão sua, nada a ver”, “Você está exagerando, pare de surtar!”

Yashar Ali, escritor e colunista de Los Angeles, dá o nome de “Gaslaitear” a essa forma de manipulação que induz as pessoas a se sentirem insanas, diminuídas, frustradas e depreciadas. Segundo ele:

“O termo vem do filme de 1944 da MGM, "Gaslight", estrelando Ingrid Bergman. O marido de Bergman no filme, interpretado por Charles Boyer, quer tomar sua fortuna. Ele se dá conta de que pode conseguir isso fazendo com que ela seja considerada insana e enviada para uma instituição mental. Para tanto, ele intencionalmente prepara as lâmpadas de gás (no inglês, "gaslights", vindo daí o nome do filme) de sua casa para ligarem e desligarem alternadamente. E toda vez que Ingrid reage a isso, ele diz a ela que está vendo coisas. Nesse contexto, uma pessoa gaslaiteadora é alguém que apresenta informação falsa para alterar a percepção da vítima sobre si mesma.”

Essa forma de manipular ou menosprezar nem sempre é consciente. E é aí que mora o perigo. É preciso prestar atenção.   É algo que está tão arraigado, proveniente de uma sociedade patriarcal onde homens querem estar no controle e no poder, porque provavelmente temem o poder feminino, mas que pode ser desperto de uma hora para outra, num estalo de tomada de consciência. Não sem trazer uma mexida com estruturas dos casamentos, das famílias e consequentemente da sociedade.

A misoginia acompanha o patriarcado para manter a mulher numa posição de subordinação, diminuindo seu acesso ao poder e consequente tomada de decisão. Esse ódio às mulheres é histórico, mas também pode ser proveniente de uma experiência particular de primeira infância. Um misto de necessidade do feminino com temor. É a mãe que nutre e que ameaça. Há uma fantasia de aniquilamento pela mulher que também o mantém vivo. Sendo assim a misoginia vai variar de homem pra homem, segundo suas experiências individuais com seus pais. A relação dos pais também vai influenciar diretamente esses tipos de comportamento. Se a criança assiste o pai desrespeitando a mãe, é isso que vai aprender.

A mulher é a detentora do princípio feminino de se relacionar, de sentir e intuir, assim como o homem do princípio masculino do pensar e fazer. Esses aspectos já foram mais segmentados, hoje vemos mulheres com intelecto muito desenvolvido e uma excelente capacidade prática; assim como homens com aspectos femininos, intuitivos e sensíveis. Casais podem se beneficiar de suas semelhanças e também de sua complementariedade, num caminho de evolução em parceria.

Para isso há que se limpar esse registros de Pré-conceitos contra gênero. Sentimentos às vezes herdados que impedem de viver um amor pleno. Homens e mulheres podem rever e buscar onde está a misoginia e misandria de cada um, com aceitação e amor. Violência se combate em sua raiz com amor e não com mais violência. E o que é Misandria? É o ódio das mulheres contra os homens, mas isso já é assunto para outro artigo. Até a próxima!

Sílvia –psicóloga transpessoal formada pela UERJ (crp:05/21756), especialista em Psicologia junguiana, Arteterapeuta e Cosnteladora Familiar Sistêmica
 
 



 

Misandria

Misandria
Você sabe o que é?
 
                Se Misoginia é o ódio às mulheres, Misandria é o ódio aos homens. A Misandria pode ser uma reação à Misoginia. De tanto se sentirem abusadas, desrespeitadas, humilhadas por homens, mulheres podem desenvolver o mesmo ódio para compensar. É possível que mesmo sem terem recebido diretamente uma agressão masculina, as mulheres herdem inconscientemente as dores de suas ancestrais.
                O movimento feminista conquistou muito terreno para as mulheres. Há pouco tempo atrás as mulheres não tinham direito ao voto, não tinham os mesmos direitos que os homens. No código civil antigo as mulheres eram consideradas relativamente incapazes. Sofriam preconceitos se trabalhavam fora, e também se eram divorciadas. Era comum a mulher viver à sombra do homem, e serví-lo. O feminismo precisou chegar com agressividade, para confrontar os homens misóginos e tentar buscar um equilíbrio, este foi o custo da emancipação da mulher. Foi uma luta para sair do lugar de submissão.
Porém a conquista feminina veio acompanhada de um ônus da sobrecarga. Porque além de continuar a trabalhar em casa e cuidar dos filhos, foi à luta para estudar e trabalhar. Nem todos os homens acompanharam a essa evolução e continuaram esperando o jantar na mesa, a roupa lavada e passada. Alguns dividem o trabalho doméstico e a criação dos filhos, outros ainda não.
Doenças que antes só eram acometidas aos homens começaram a chegar para as mulheres, fruto de um desequilíbrio. Doenças cardíacas eram mais comuns em homens, devido a stress e ao ritmo de trabalho. Hoje as mulheres já quase se igualam aos homens nos procedimentos cardíacos.
                Interessante observarmos homens e mulheres com coração precisando de procedimentos cirúrgicos. Será que esse ódio não tem obstruído corações? 
                Hoje ainda vemos muitas injustiças no mundo contra as mulheres, generalizar como se todo homem fosse um tirano é que não cabe. As generalizações são distorções da realidade. Existem pessoas de todos os tipos nos dois gêneros. A misandria acabou fazendo de algumas mulheres tiranas com os homens e trocando de lugar com eles. Pré-conceitos são passados de geração em geração em frases do tipo: “Homem não presta”, “Os homens são fracos”, “são infantis”, “Todo homem é galinha”, ou “todo homem trai”. “Quem precisa de homem?”
                Existem pesquisas que afirmam que homens traem mais do que mulheres, mas será que todo homem trai? Será que todos os homens são fracos? Fracos como? Percebemos mágoas e ressentimentos  por detrás destas frases e uma tentativa de diminuir o sexo masculino para poder se re-empoderar.
                Mas sabemos que diminuir o outro para se sentir grande tem um efeito muito transitório. É preciso mergulhar nas suas próprias dores, limpar o terreno, retirando as ervas daninhas que impedem que sementes de amor e compaixão brotem. Nós escolhemos o que cultivar, se o ódio ou o amor. O julgamento nos afasta do amor.
                Há mulheres misândricas que querem muito ter um companheiro, mas ao menor sinal de erro masculino saem detonando os homens e acabam por afastar aquele que mais queria por perto. É preciso se deter a olhar, quais referências de masculino, a mulher possui. Como foi e são as experiências com os homens de sua família: pai, avôs, irmãos. Muitas vezes mulheres carregaram sentimentos que não são seus, mas de sua mãe, avós, tia avós ou bisavós. Uma auto-análise, uma pesquisa biográfica e de seus ancestrais torna-se necessário para a compreensão desses sentimentos de aversão e que impedem a mulher de abrir seu coração.
Temos em nossa história uma situação de grande injustiça com as mulheres. O número de mulheres mortas em fogueira, tidas como bruxas, na época da Inquisição se assemelha ao número de mortos em campos de concentração. E quando não foram mortas, foram proibidas de mostrarem qualquer sabedoria ligada à natureza ou simplesmente expressar sua intuição e sensibilidade.
                Esses registros ficaram no inconsciente de ambos os sexos. Mas agora é hora de fazermos uma nova escolha: continuar a perpetuar essa disputa ou apaziguar o coração? Se a escolha for pela transformação, um novo caminho precisa ser percorrido: do ódio ao amor. Por baixo de todo ódio tem dor. Parar de escamoteá-la e sim confrontá-la para que ela passe. Não só por você, mas por toda sua linhagem feminina. Perdoar e fazer as pazes com o masculino. É preciso sair do querer ter poder sobre o outro para sentir o poder do amor compartilhado. Encarar os medos que fazem a mulher se armar e ficar na defensiva.
A agressividade vem também pelo medo de se sentir subjugada. Uma vez estando em paz com essas dinâmicas internas é possível enxergar o homem sem essas influências históricas. É preciso zerar para poder enxergar o outro como ele realmente é e se abrir para todo campo de possibilidades de parceria e troca de amor que um relacionamento pode oferecer. É necessário trabalho e consciência para reescrever a partir de agora uma nova história, se não quisermos continuar a repetir.
                Entre seres humanos heterossexuais, o homem carece da companhia da mulher e a mulher do homem. Admitir isso não passa por se sentir diminuído. E sim que homens e mulheres podem se acrescentar, apoiar e enriquecer suas experiências de vida, se souberem honrar o que há de mais precioso no outro e também respeitar as fragilidades de cada um.
                Tem gente que se viciou em sofrimento e arrasta corrente de desencantos de relacionamentos antigos. É preciso dar um basta, gritar chega! E se permitir curtir toda magia do amor e estar predisposto ao prazer da felicidade.
                Feliz dia dos namorados!
Sílvia Rocha – Psicóloga transpessoal (crp:05/21756), Especialista em Psicologia Junguiana, Arteterapeuta, Consteladora Familiar Sistêmica

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Ritos de Passagem, drogas e Espiritualidade


Ritos de Passagem, drogas e espiritualidade

“O acesso a uma condição superior é obtido com uma morte e uma regeneração simbólicas e rituais.” – (Zoja, L.)      

Em nossa sociedade ocidental contemporânea, falta ritual de iniciação para estruturar as passagens da vida. Não somente os ciclos da vida que naturalmente atravessamos como da criança ao adulto, do estudante ao profissional, do solteiro ao casado, como para a movimentação energética entre o consciente e o inconsciente que surgem no dia a dia. Se existem alguns rituais como batismo, casamento, festas de 15 anos, e até mesmo provas que marcam a passagem de um estado a outro como vestibular e prova de motorista, estes se tornaram muito mais eventos racionais, sociais e superficiais do que profundos e sagrados, o que faz perder o caráter de iniciação. A religião tem sido vivida no seu sentido muito mais dogmático do que emocional. O símbolo possui função energética importante nesta passagem e permite ao nosso mundo psíquico mais mobilidade, característica esta fundamental à saúde psíquica.

            Sob a forma abstrata, os símbolos são ideias religiosas; sob a forma de ação, são ritos ou cerimônias. A transformação de energia por meio dos símbolos é um processo que vem se realizando desde o inicio da Humanidade. Os símbolos são produzidos pelo inconsciente, revelados pela intuição ou pelos sonhos, existindo uma conexão entre as imagens oníricas e as imagens mitológicas.

                        Os ritos de  passagens e iniciação, segundo o analista junguiano Luigui Zoja, preconizam uma morte que leva ao início de algo, como um novo começo. A morte como sinônimo de transformação e não de fim, e por isto bem vinda e não evitada. A estes momentos, carecemos de um espaço sagrado, fora de nossas demandas diárias e compromissos para uma dedicação maior ao mundo interno. O sagrado tem sido alijado e então decaímos ao espaço do racional e do material, com ausência de sentido que possa nutrir nossas almas.

             Neste espaço vazio, as drogas preencheram a ânsia da plenitude numa tentativa malograda de  iniciação no mundo espiritual, como afirma Zoja: “falha já de início por falta de consciência.”

            Concebemos o uso e consequente dependência de drogas, como o atendimento ao chamado da alma pelo mundo transcedental e arquetípico, no entanto sem um recipiente (ritual, cerimônia) adequado que suporte a força do inconsciente e que portanto, não elabora seus conteúdos de uma maneira eficiente proporcionando o amadurecimento psíquico e a transformação do ser humano.

            Segundo Jung, falta o rito: “(...) o rito, que desde tempos imemoriais constituíra um caminho seguro de acomodação para as forças incalculáveis do inconsciente.”

Nas sociedades tribais encontramos o uso ritualístico de plantas de poder para se alcançar estados mais elevados de consciência e trazer símbolos de renovação para a comunidade.

            Percebemos no sintoma da adicção, a mensagem para a expansão da consciência e não como fuga da realidade como geralmente é interpretada. Porém ao invés da evolução esperada e da integração da totalidade almejada, o que se consegue é uma ilusão e um retorno ao estado infantil de dependência.

O número crescente de consumidores por drogas tanto legais quanto ilegais, nos faz levar a crer a demanda por uma experiência profunda, a qual não cabe na sociedade de hoje materialista, indicando uma crise nos valores vigentes.

Hoje, percebemos os jovens indo a festas onde o som mais lembra um toque de tambor repetitivo, o mesmo som que algumas tribos utilizam para jornadas xamânicas. Também sabemos que nestas festas ocorre o consumo de drogas pesadas. Não será que estes jovens anseiam por uma experiência de totalidade do self, mas não sabem aonde e como buscar?

E estas drogas por eles utilizadas, às vezes legais como cigarro, álcool e às vezes ilegais como maconha, heroína, crack e outras mais, que deixam efeitos colaterais destrutivos para o organismo e sem falar no comércio ilegal, que incentiva o tráfico e a violência nas cidades, demonstra a nostalgia pelo sagrado e a tentativa, mas não a realização de uma experiência transcendente? O contato com a sombra é feito, mas não há uma elaboração da experiência que chegue a transformá-la na luz da consciência. Daí o perigo de mergulhar numa viagem sem volta.

A cura da relação de dependência com qualquer objeto cuja energia esteja investida, seja ele drogas, sexo, comida, etc.  é a força do sagrado que transcende a psique racional e se expressa na religiosidade (religare), na relação com a divindade, na imagem de Deus, símbolo do Si Mesmo (Self).

Nas palavras de Jung:  “Seu anseio pelo álcool era o equivalente, num nível  inferior, ao espírito de sede de nosso ser pela totalidade, expresso na linguagem medieval: a união com Deus.”

Jovens precisam de grupos com orientação de algum mestre que ajude a passar pelas experiências: grupos de jovens em alguma instituição religiosa, aulas de artes marciais ou capoeira e até mesmo de dança e artes.  Um psicoterapeuta também pode ser um guia para essa viagem ao mais profundo de si mesmo, ajudando-o a interpretar ritualisticamente – semanalmente no mesmo dia e horário - seus maiores anseios, resgatar seus símbolos do inconsciente que o ajudarão nas passagens da vida, dentro de um espaço “sagrado” protegido.

 

Sílvia Rocha – psicóloga ( crp:05/21756) formada pela UERJ, Arteterapeuta, consteladora familiar sistêmica, especialista em Psicologia Junguiana (IBMR)

Contato: silviaayani@gmail.com e www.silviarenatarocha.blogspot.com.br