terça-feira, 22 de julho de 2014

Modelos Mentais


Modelos Mentais

Pensando dentro e fora das caixinhas

“A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original.”


                Pessoas veem o mundo de maneiras diferentes segundo seus filtros de percepção. Então às vezes parece que estamos falando da mesma coisa quando temos concepções diferentes a respeito. Para saber do que estamos falando, podemos fazer um exercício, é só pedir para que duas pessoas ou mais escrevam dez palavras que relacionam com a palavra “Amor”, por exemplo. Checando as listas poderemos contar quantas palavras iguais. Ficaremos surpresos, com as diferenças. Palavras nomeiam coisas, estados, sentimentos, encerram significados que nem sempre são iguais, principalmente quando nos remetem a assuntos subjetivos.

                Pensamos através de modelos mentais, que são equivalentes a caixinhas ou pré-conceitos sobre determinada coisa. Chimamanda Ditchie contadora de histórias e palestrante nigeriana nos conta como foi estudar na América e receber preconceitos a respeito de seu país. A começar que as pessoas não distiguiam países africanos do continente africano. Como se África fosse sinônimo apenas de fome, miséria, deserto. O mesmo acontece no Brasil e em vários outros lugares e com pessoas também.

Olhar as pessoas como elas realmente são e não através de julgamentos pré-concebidos é uma coisa rara. Algumas pessoas sentem pena de outras só do que julgam pela aparência.  Julgamentos por classe social, por religião, por atitude, por uma conversa, pela cor da pele ou pela cor do cabelo é o que mais encontramos. Criamos modelos e tentamos encaixar o que vemos nas caixinhas.

Segundo Hutchens, “Modelos Mentais são as crenças, imagens e pressupostos profundamente arraigados que temos sobre nós mesmos, nosso mundo, nossas organizações e como nos encaixamos neles”. Porque como nos conta o escritor inglês Somerset Maugham no livro “O Fio da Navalha, “... os homens não são somente eles; são também a região onde nasceram, a fazenda ou o apartamento da cidade onde aprenderam a andar, os brinquedos que brincaram quando em crianças, as lendas que ouviram dos mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas que frequentaram, os esportes em que se exercitaram, os poetas que leram e o Deus em que acreditaram.”

O mito da caverna de Platão, é uma bela metáfora de como um modelo mental pode ser limitante mostrando apenas parte da percepção da realidade. No mito, um grupo de pessoas habita o interior de uma caverna e estão acorrentadas de costas para a entrada, sendo que só podem ver as sombras projetadas na parede do mundo que acontece lá fora. Como estão na caverna desde que nasceram, as sombras para elas, são tudo que existe. Se uma pessoa consegue se libertar das correntes e questionar a realidade que consegue ver de dentro, são consideradas ameaças. E se essa pessoa consegue sair, pode se encantar com a grandeza que seus olhos podem ver agora. O difícil é voltar pra caverna pra contar pros outros o que viu, pois a segurança e acomodação das pessoas de dentro as fazem resistir. Em nossa história podemos ver isso acontecer com cientistas ou artistas que foram considerados loucos, serem homenageados somente após suas mortes. Pessoas à frente de seu tempo costumam sofrer por terem modelos mentais bem amplos da realidade, além do que a maioria possa compreender.

Realidade é aquilo que podemos perceber e não estamos conscientes das limitações criadas pelos modelos mentais. Todos possuímos modelos mentais, eles não são bons ou ruins, apenas ordenam a complexidade do mundo em nossas cabeças. O problema ocorre quando tentamos encaixar tudo dentro dessas caixinhas sem questionar se elas ainda têm utilidade. É preciso reciclar pontos de vista, modelos de pensamentos, assim como a ciência já renovou através de mudanças de paradigmas. Já fomos do cartesiano ao newtoniano e agora o modelo quântico tem ajudado a interpretar o mundo. Interpretar, esse é o verbo, não podemos esquecer de que paradigmas e modelos mentais não são verdades absolutas. São apenas mapas que representam um território.

Um diagnóstico é um modelo mental, e pode ser considerado como Hellinger da terapia sistêmica diz, “um mau pensamento”. Pois ele encerra um indivíduo numa doença e passamos a reduzir aquele ser humano num rótulo.  Ser humano é vasto e criativo e com um enorme potencial para a saúde. Um modelo mental determina como e o que se vê, reduzindo a realidade, guiando a forma de agir e pensar.

Por isso o mais indicado é sempre refletir sobre a forma de pensar. Questionar preconceitos que todos temos, pois uma vez identificados fica mais fácil de dissolvê-los. Assim na África como no Brasil, existe uma diversidade cultural, uma riqueza natural, uma beleza que olhos contaminados não poderão enxergar. Numa pessoa também, à parte do que ela sempre ouviu sobre ela mesma desde criança, críticas ou estímulos, sempre se pode descobrir um campo fértil para muitas possibilidades. Basta ter a coragem de pensar fora da caixinha.

Sílvia Rocha - Psicóloga

 

               

 

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Diálogo - A verdadeira democracia


Diálogos

A verdadeira democracia

“Se eu puder ver com os seus olhos e você com os meus, cada um de nós verá algo que talvez não tivéssemos visto sozinhos” – Peter Senge

                A comunicação é um componente fundamental para que haja um bom relacionamento. Pessoas com dificuldades de comunicação geralmente tem dificuldades de relacionamento. Seja entre casal, pais e filhos, amigos ou colegas de trabalho, comunicar bem é a chave do bom relacionamento. Ações efetivas podem transcorrer após um bom diálogo. Comunicação é um dom, um talento, uma arte que pode ser aprendida.

                A começar pelo diálogo. Muita gente acha que está dialogando quando na realidade está discutindo. E qual a diferença? Podemos ter até vários estilos de conversação variando do debate rude, passando por uma discussão polida, hábil até o diálogo produtivo. Na discussão, alguém está querendo ganhar, impor seu pensamento ou convencer o outro de que sua idéia é melhor. No diálogo, há um ganha-ganha, uma construção coletiva de significado, as duas ou mais partes expõem suas visões e tentam chegar num consenso.

                Em grego, dia-logos, dia significa através e logos, palavra. Através da palavra um fluxo de significado transcorre. Pode ocorrer entre qualquer número de pessoas, inclusive é possível se ter a impressão de estar tendo um diálogo consigo mesmo, um diálogo interno. O espírito do diálogo acontece quando há um acolhimento de todas as idéias e pontos de vista, sem defesas. A escuta é necessária para que haja este estado de receptividade.

O que acontece na maioria das vezes numa discussão, é que as pessoas não se escutam. Quando uma está falando, a outra já está se preparando para o que vai dizer em seguida, pensando nas palavras que vai usar, então perde o que outro está dizendo. Isto gera um clima de ansiedade e atropelo, um padrão muito comum em nossa sociedade. Quantas reuniões de trabalho se tornaram improdutivas justamente por este padrão. As pessoas mais tímidas e menos competitivas acabam deixando de falar suas idéias para não terem que entrar na luta, deixando de dar suas contribuições.

Quando as pessoas começam a trabalhar seus egos e passam a pensar coletivamente, deixam de se importar com quem tem razão para priorizarem qual ideia é a mais produtiva. Várias visões sobre o mesmo tema são bem vindas com a finalidade de enriquecer compreensões. O diálogo visa abrir questões, estabelecer relações, compartilhar idéias, aprender visões novas através da diversidade e pluralidade. A partir desta escuta é possível se chegar a novas compreensões e criar soluções antes não pensadas.

Opiniões são idéias vindas de experiências e de percepções. Há quem se agarre nas opiniões como portos seguros e não se permita refletir sobre novas possibilidades. Percepções da realidade são limitadas e precisam ser desafiadas. Podemos ver apenas de um só ângulo e se confrontarmos com outras opiniões poderemos sair enriquecidos. Se tivermos flexibilidade podemos ampliar percepções ouvindo a experiência alheia.

Uma discussão é válida quando o objetivo é demarcar posições, quando é necessário descartar idéias para encontrar a melhor saída. Acontece que estamos muito acostumados a somente discutir e não aproveitamos a riqueza do diálogo.

David Bohm, físico americano, criou uma metodologia chamada grupos de diálogo, em que as pessoas sentam em circulo e exploram várias facetas de um mesmo tema. O círculo é uma geometria que favorece a união e o sentimento de pertencimento. Simboliza a totalidade em que cada um é parte essencial deste todo.  A ideia do diálogo não é chegar a um consenso. No consenso parece haver uma acomodação escolhendo a ideia que contemple melhor para  todos, então algumas pessoas abrem mão de algum ponto para se ajustarem à maioria. Um grupo de diálogo visa uma compreensão mais rica sobre determinado tema não precisando ter que chegar a nenhum lugar específico. Como David Bohm nos conta, um antropólogo que viveu numa tribo indígena observou o padrão de comunicação existente:  todos se sentavam num grande grupo com cerca de 20 a 40 pessoas, para exporem suas idéias, desde os mais velhos até os mais jovens, homens e mulheres. Neste grupo ninguém tomava decisão alguma sobre o que fazer, apenas alargavam seus horizontes sobre determinado assunto. Após terem esgotado o conteúdo, sentavam-se em pequenos grupos com mais firmeza do que deveriam fazer, sem ninguém ter que ordenar. A consciência era a motriz fundamental de suas ações.

Em grupos de diálogo que facilitei, pude perceber quando se chega a uma nova e transcendente compreensão, que um silêncio se irrompe. Um silêncio pleno e cheio de significado onde nenhuma palavra mais é necessária para qualquer entendimento.

Sílvia Rocha – Psicóloga – silviaayani@gmail.com

                www.silvia.renata.rocha.blogspot.com.br

 

 

 

terça-feira, 1 de julho de 2014

Os Quatro Estágios da Terapia


Os Quatro estágios da Terapia

 “Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.” Nise da Silveira

                Em geral, quando uma pessoa busca uma terapia, é porque tem algo em sua vida que a pertuba. São poucas as pessoas que vem em busca de auto-conhecimento. É comum chegarem com um acontecimento trágico ou uma angústia bem grande.  Esse primeiro momento mais parece um confissionário, um extravazamento de emoções, expressões pouco conscientes, talvez mecanizadas, defendidas ou racionalizadas. Quando começam a contar sua história e seus problemas, estes se apresentam com percepções reduzidas de sua realidade. Algumas sabem como estão e onde querem chegar, mas não sabem como fazer para chegarem lá. Pensamentos e falas que se repetem, percepções baseadas em crenças distorcidas sobre si mesmo, são bastante comuns.

Os mais emotivos tem facilidade para deixarem fluir as emoções e alguma dificuldade para organizar estes sentimentos que podem estar confusos. Os mais racionais, já sabem de cór seus porquês com dificuldades de entrar em contato com a emoção. Essa chegada precisa ser apoiada, pois muitas vezes quem procura uma terapia, já passou por uma barreira que é a de procurar ajuda. Nem sempre é fácil, admitir que se precisa de ajuda, passar por cima do orgulho e talvez de algumas crenças do tipo: “terapia é coisa de maluco!”

Aí entramos no conceito do que é ser normal e do que é patológico. O que parece no senso comum, é como se tivesse algo certo e algo errado com as pessoas e a terapia fosse para consertar quem está errado. Como um carro que chega no mecânico para trocar uma peça. Dentro da Psicologia, não existe este julgamento sobre as pessoas e eventos. Cada um tem sua forma única, original e peculiar de ser, e encontra sua forma de expressar aquilo que é, levando à realização de seu ser no mundo. Então o psicólogo não vai dizer o que a pessoa precisa fazer ou mudar. Uma crise ou doença pode aparecer com um intuito de trazer a força de cura e de superação para alguém. O psicólogo apenas acompanha, dando devoluções, espelha para o outro se ver melhor, procura ampliar percepções, mostrar outros lados, algumas vezes orienta. O relacionamento do terapeuta com o cliente vai ser um dos aspectos mais importantes nesse processo. É dessa interação entre dois seres humanos, duas personalidades que vai surgir algo novo. A confiança, a empatia, a afetividade criam um campo para um mergulho que não é só do cliente, mas do terapeuta também.

O segundo estágio da terapia é o da elucidação, onde aspectos que estavam inconscientes vem à tona. O cliente pode trazer sonhos para a terapia, que trazem mensagens do inconsciente, símbolos que guiam para além da mente consciente e racional.  O terapeuta pode introduzir também um trabalho com arte, onde é possível facilitar a vinda de imagens do inconsciente. A arteterapia possibilita a criação de imagens e símbolos que fazem a ligação entre o consciente e o inconsciente. Desenho, pintura, escultura, corte e colagem, escrita, dentre outras são ferramentas que tornam conteúdos antes não acessíveis, manifestos e palpáveis. Quando conseguimos nomear ou trazer forma, continente, cor, som, para nossas questões e conviver com elas dessa forma lúdica, podem vir soluções criativas antes não vislumbradas.

No terceiro estágio da terapia, ocorre uma certa forma de educação. Compreender as expressões, o processo e as passagens da vida trazem lições aprendidas, insights sobre sua forma de ser e viver, levam a uma possibilidade de reeducação. Mudanças de padrões começam aí, com um tanto de conhecimento sentido e integrado.  A união do que se pensa com o que se sente, cria uma força de mudança mais efetiva. O curador interno do cliente é desperto e ele passa a depender cada vez menos do terapeuta para encontrar saídas.

O quarto estágio é o da transformação, onde é possível tornar-se aquilo que se é. Um reencontro consigo mesmo, onde o ciclo se completa. Para aqueles que pensam que terapia não tem fim, aqui vai o fechamento: quando o cliente é capaz de seguir sozinho com seu processo de individuação, que é o processo de se tornar inteiro. Maturidade, segurança, confiança, amor próprio, centramento e relaxamento são alguns méritos dessa conquista. Esse trabalho requer tempo, esforço, comprometimento, continuidade  e algum sacrifício.  

Sílvia Rocha – psicóloga – silviaayani@gmail.comwww.silviarenatarocha.blogspot.com.br