quarta-feira, 23 de abril de 2014

Quem não quer ser bem atendido?


Quem não quer ser bem atendido?
Diário de Teresópolis, 17 de abril de 2014

Há poucos anos morando em Teresópolis tenho percebido a inabilidade de atendimento em alguns estabelecimentos comerciais. Como não deixar de notar, quando entramos em uma loja e o vendedor nem nota?  Vendedoras que continuam a conversar sem nem dar papo para quem entra, por exemplo. Já houve casos do vendedor ser caçado dentro da loja e se voltar para o cliente com um olhar fuzilante, como se estivesse sendo incomodado. Sem falar de restaurantes e bares que o cliente fica esperando muito tempo para ser notado e atendido.

                Esses casos aconteceram mais de uma vez comigo e com amigos. Tendo trabalhado com treinamento de vendas e ao cliente, desenvolvimento humano dentre outros, por alguns anos em cidades grandes, fico considerando lamentável esta situação. Onde estão os donos para sanar estas situações? É claro que não podemos generalizar, existem lugares onde o cliente é muito bem tratado e atendido em suas necessidades e assim como resultado, ficará fidelizado àquele lugar.

                Atendimento é acolhimento em primeiro lugar. Porque se o cliente não sente um convite para se sentir à vontade dentro de uma loja, por exemplo, vai embora. Olhos e expressões faciais falam até mais do que palavras, quando vêm juntas melhor. Um bom dia seguido de um sorriso e expressão calorosa convidam à pessoa a ficar e passar mais tempo no local. Ficar atrás do cliente falando demais é cair no outro extremo.  Mostrar-se disponível e ficar atento às necessidades do cliente é o mais indicado. A expressão corporal é responsável pela maior parte da comunicação. As pessoas sentem quando são bem vindas por um simples gesto. O tratamento dado aos clientes vai fazer toda diferença. Atender a mais de uma pessoa ao mesmo tempo, pode ser uma cilada e nenhuma delas ficar satisfeita.

                               Em segundo lugar é preciso conhecer bem os produtos ou serviços, tanto a qualidade quanto a diversidade. Já aconteceu de um vendedor ser inquirido sobre determinada coisa na loja e ele responder um simples e redondo: Não. E ponto final. Ele não ofereceu outras opções, não se interessou pelas necessidades do cliente. É possível pensar que ele não estava interessado em vender e até mesmo que queria se livrar do cliente. Quando a cliente encontrou algo semelhante que a servia, na mesma loja, ficou estarrecida. Existem produtos que são únicos e se estiver em falta não tem jeito, mas tem outros que podem encontrar substitutos. E quando o cliente chega ainda sem uma ideia do que quer exatamente, o vendedor pode ajudar a construir essa ideia oferecendo o que existe em sua loja, ao invés de olhar para o cliente como se ele fosse um ET.

Muitas pessoas pesquisam antes de se resolverem por uma compra. Se o vendedor expressar raiva no olhar quando percebe que o cliente não vai comprar, será que a pessoa vai voltar mesmo que tenha se decidido por comprar naquela loja? É preciso driblar o imediatismo e perceber que a venda não é só o ato do pagamento. O cliente pode não só voltar como trazer outros possíveis compradores. A satisfação no atendimento só pode trazer bons resultados. Bom humor e alto astral sempre ajudam, contagiando o ambiente e criando o desejo de pertencimento.

                Um bom trabalho pode abrir outras portas. Um vendedor, um garçom, um atendente pode ser visitado por um empresário que está caçando novos funcionários. Se esse empresário for bem atendido, talvez até mesmo surpreendido recebendo algo mais do que o trivial, pode convidar  quem o atendeu a fazer uma entrevista a um novo emprego mais promissor. Um bom vendedor pode ser promovido também a gerente. E assim por diante. Realizar um bom trabalho é antes de tudo um marketing de sua própria capacidade.

                Melhorias só vão ocorrer se o dono estiver no comando, preocupado com seu negócio. É preciso que ele crie motivação nos vendedores, como níveis de remuneração a partir do desempenho, crie metas a serem alcançadas, estabeleça as funções e habilidades necessárias ao cargo, dê treinamento e fique de olho avaliando seus funcionários.

                Existem pessoas que tem por natureza uma sensibilidade nos relacionamentos, criam vínculos com facilidade por terem empatia e existem as que tem dificuldades mas se sobressaem na criatividade e conhecimento dos produtos e serviços. Treinamentos servem para ajudar a desenvolver habilidades que podem ser aprendidas e a maioria das pessoas tem capacidade de aprendizado.

                Em uma pesquisa que realizei há alguns anos atrás, com os melhores vendedores de uma rede de lojas, a filosofia comum em todos eles foi: gostar do que faz, querer sempre melhorar e ter fé em Deus que dias melhores sempre virão!
Sílvia Rocha

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A dança das Energias


A dança das energias
Diário de Teresópolis, 10 de abril de 2014
 

A Energia psíquica é uma característica dos vivos, e é uma parte da energia vital. Pode-se estar sem energia física, quando se está doente, por exemplo, mas a energia psíquica está sempre  presente na vigília e também nos sonhos. Energia é algo que não pode ser visto, apenas em suas manifestações. Assim como calor, luz e eletricidade são manifestações da energia física, fome, sexo, emoções são manifestações da energia psíquica.

Segundo Maslow em sua pirâmide de necessidades, primeiro precisamos estar resolvidos em questões de sobrevivência que são nossos instintos básicos como os de fome, sono, sexo, excreção, sede. Em segundo lugar com os de segurança do corpo, do emprego, da saúde, da família, recursos, propriedade. Em terceiro: amor e pertinência na família e em amizades, bem como de intimidade sexual, em quarto: auto-estima, confiança, conquista e aprovação e quinto: auto-realização como habilidades, competências, vontade de crescimento e espiritualidade. Apesar desta hierarquia nem sempre ser seguida à risca, fica a dica dos vários tipos de necessidades que o ser humano precisa preencher.

Emoções são carregadas de energia, assim como os pensamentos. Eles nos movem. Conflitos também. Há quem pense que os conflitos são negativos porque causam tensão, mas é justamente essa tensão entre questões opostas que nos levam a gerar mais energia psíquica e a inventar uma saída usando a criatividade para expandir, escolher, abrir mão, criar uma terceira opção, enfim, sair da tensão e se desenvolver.

É difícil de medir a energia psíquica mas podemos estimá-la através do valor que damos a determinados assuntos. Se consideramos algo banal, não investiremos nossa energia nele, mas se consideramos algo importante, o nível de intensidade de energia vai ser outro: dedicaremos tempo, esforço e sentimento naquilo. Uma ideia pode exercer uma influência em nós mais do que outras.

Nosso sistema psíquico é aberto e fechado ao mesmo tempo. O ambiente nos provoca o tempo todo e também temos nossas considerações, sentimentos e pensamentos causados e causadores de eventos. A energia pode estar em progressão, ou seja para fora, para adaptação ao meio e funcionamento na vida ou em regressão, entrando no inconsciente, ativando complexos que roubam  a energia podendo ocasionar uma depressão, em que o movimento da vida fica paralisada.

Podemos dizer que a depressão é a raiva voltada para si mesmo. Quando a raiva é contatada e expressa, começa a saída da depressão. Enquanto uma pessoa está chorando ou expressando raiva, ela está melhor do que aquela que está guardando. Essas pessoas que guardam são mais preocupantes por serem mais propensas a terem algum tipo de crise.

Quando a energia está muito pra dentro, represada, um surto, uma crise ou uma catarse se faz necessária. Alguns surtos não são necessariamente psicóticos, mas tentativas de rompimento com  padrões já obsoletos. A arte pode ajudar uma pessoa a se expressar seja por simplesmente fazer, como uma terapia ocupacional, por exemplo fazer um arranjo floral, montagem com sucatas, até  mesmo expressar emoções pela pintura, escultura e teatro.

Quando a energia está muito para fora, este desequilíbrio cria um sintoma para compensar. O corpo dói para ser sentido, para que a atenção se volte para dentro. Para sair das somatizações, uma regressão de energia é indicada para a ativação do mundo interior. Nesse momento o silêncio é o indicado pois ele nos conecta, acima de tudo a nós mesmos. Começamos a nos ouvir quando silenciamos. Penetrar no silêncio é ultrapassar a mente tagarela que muitas vezes nos engana. Nesse sentido a arte também nos ajuda a organizar nossas introspecções.

Os sonhos também são grandes mensageiros do inconsciente nos dando pistas do que precisamos dar atenção. A psique abrange mente e corpo num sistema consciente-inconsciente, trocando energia em nosso interior e no contato com o meio e com outras pessoas. É como vários passos de uma dança. Aliás dançar tem sido uma bela metáfora para a vida pois abarca vários movimentos vitais e psíquicos como se expandir, contrair, esperar, avançar, seguir o fluxo, olhar nos olhos, conduzir e ser conduzido.

Sílvia Rocha

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Era uma vez uma história


Era uma vez uma história
Diário de Teresópolis, 03 de abril de 2014
 

“O homem tem uma origem e um destino. A menos que se lembre disso, perderá a ambos.”

(Sufismo no Ocidente)
Quem não tem uma história para contar? Um caso, ou “causo”, história de pescador, de infância, memórias, relatos, história sobre os outros, coletivas ou compartilhadas onde cada um acrescenta um ponto? Ao contarmos escrevemos história ou a história nos escreve? O passado é revisitado quando contamos e ainda o significado do evento ocorrido é atualizado. Quem narra sua própria história é dono dela, apropria-se de sua vida, empodera-se, reforça sua identidade.

 Até determinada idade os adultos contam a história da criança, como ela foi, do que ela gostava, como agia, e esse relato ajuda a construir sua auto-imagem e reforçar comportamentos. Quando as lembranças já se tornam mais nítidas é sinal de que já é possível ser o narrador de sua própria biografia.

Cada um tem sua história contada a partir de seu ponto de vista. Pode-se enfatizar pontos negativos, positivos, lições aprendidas, e um conjunto de tudo isso. Entrevistar parentes mais velhos sobre histórias de família permite tecer uma trama composta e trazer mais consciência de si. Como nos avisa Chimamanda Adichie, contadora de histórias nigeriana, o perigo de uma só história é criar um estereótipo, uma visão incompleta e limitada da realidade e que pode tirar a dignidade de uma pessoa, um povo, um país. Em suas palavras: “Mostre a um povo que ele é uma única coisa, repetidamente, e é isso que ele se tornará. (...)Histórias importam e tem sido usadas para expropriar mas também para capacitar e empoderar. Para tirar a dignidade e também para repará-la”.

Antigamente e até hoje entre certos povos é comum a transmissão oral de histórias que trazem ensinamentos e valores. Hoje a televisão ocupa um lugar que antes era o de compartilhar entre gerações. Assim a memória de histórias passadas e vividas caem no esquecimento e levam junto a identidade familiar e a força ancestral, criando sintomas e questões que poderiam ser resolvidas com a consciência histórica. Escutar o desfecho de uma história contada pelo próprio autor inspira e motiva novas possibilidades de ação, permite a articulação de experiências diversas, a partir do exemplo e da referência.

Já histórias universais como os mitos e contos de fadas falam diretamente à nossa alma porque são atemporais e atuam como um espelho, na medida em que a pessoa se identifica com os personagens e enredos. Além de transmitirem conhecimento e cultura, esses contos atuam ainda como guias por apresentarem recursos criativos e soluções para inúmeros problemas, tornando-se uma técnica terapêutica de auxílio à mudança.

Milton Erickson, hipnoterapeuta inventava metáforas que guiavam e traziam novas possibilidades para seus pacientes. Pensamentos são histórias que contamos para nós mesmos. Então nos condicionamos e criamos um mundo a partir de nossas fantasias, criando  saúde ou doença, mantendo ou transformando padrões de pensamentos.

Certas histórias caem como uma luva no momento certo em que vivemos alguma situação, pois apontam uma nova direção, despertam reflexão, transformam emoções, ampliam percepções. Como diz Clarissa Pinkola Éstes, em Mulheres que correm com os lobos, histórias são bálsamos de cura. Elas são diversão mas também arte medicinal, entretém e orientam. Entre nativos da floresta amazônica, existem os pajés das ervas, os pajés de cantos e os pajés contadores de histórias. Para cada doença, uma história.

Já sob o olhar de  Jung e da complexidade humana é a psique que se “encaixa” em vários mitos de várias culturas ao redor do mundo. Vivemos mitos sem perceber e parecem que se tornam o script de nossa vida.

 Segundo os biólogos chilenos Maturana e Varela, os sistemas vivos são auto-poiéticos, criam-se a si mesmos. Paradigmas funcionam como uma estrutura e sustentação mas também limitam a novos horizontes. Construímos o mundo em que vivemos a partir de nossas percepções sobre ele, e é nossa estrutura que permite essas percepções. Então, nosso mundo é a visão que temos dele, nos recriamos a cada instante a partir das histórias que ouvimos e contamos. Somos essas histórias.

Compartilhar, narrar e escutar pode ser um grande momento de renovação de si mesmo com abertura à imaginação, à criatividade, ao mundo das idéias inovadoras.
E você, que histórias tem vivido e contado? Está enredado, batendo sempre na mesma tecla? Somos personagens da nossa vida, mas também somos os autores e diretores.

Sílvia Rocha