Contos de Fadas de
nossas vidas
Crianças
têm seus contos de fadas favoritos, assim como adultos tem seus filmes
prediletos e já tiveram seus contos favoritos na infância. Histórias fascinam
porque vão de encontro com questões existenciais, pessoais, e a identificação é
certa. Histórias favoritas são aquelas que não saem da cabeça, transmitem um
sentimento conhecido ou desejado. Trazem alegrias ou amedrontam, tocam de
alguma forma alguma questão de vida. É também um convite a sair da vida real e
mergulhar no arquétipo do herói que sempre vence, no final.
Contos
de fadas são usados terapeuticamente por serem ferramentas maravilhosas que
trazem à luz o que antes estivera oculto, pois geram emoções parecidas com as
que vivenciamos em nossas histórias de vida. Ajudam a lidar com acontecimentos difíceis,
além de nos convidarem a soluções. Tive uma certa vez como paciente, um menino
de 9 anos que passava por uma separação dos pais traumática. Sua história
favorita era rei leão I. Passou uma sessão inteira brincando com os leões
reproduzindo a cena que o pai caía do penhasco e morria. Era a forma como
estava vivenciando o afastamento do pai. Pudemos trabalhar essa perda legitimando-a,
relativizá-la e até ressignificá-la depois. A história nos ajudou a identificar
como estava vivenciando o momento, seus sentimentos e pensamentos.
Podemos
perceber a relação entre os contos favoritos de infância com os roteiros de
vida, traçados ainda na infância. Contos evidenciam scripts, que são histórias-roteiro. Mais usado no teatro, essa
palavra foi usada pelo psiquiatra americano Eric Berne na Psicologia. Ele
descobriu que organizamos nossa vida segundo imagens, frases, sentimentos que
nos ajudam a nos reconhecer em nossas multiplicidades na vida. Histórias
infantis nos ajudam a compor um script
de vida, de uma história pessoal a partir das imagens que nos guiam e ajudam a
criar um plano de vida, uma narrativa pessoal e anímica. Reconhecendo que
histórias nos guiam é possível chegar a conscientização de padrões vividos. E
elas são reconhecidas quando podemos perceber uma reação emocional na pessoa
que conta.
Histórias
e contos de fadas possuem múltiplas possibilidades de interpretação. Uma delas
é a interpretação sistêmica que não só considera a dinâmica individual mas as
relações entre os membros da família: Vínculos, exclusão, compensações,
identificações com membros da família, repetição de destinos familiares. E as
histórias favoritas apresentam um fio condutor de uma dinâmica familiar.
Segundo
Brigitte Gross e Jacok Schneider, existem histórias que deflagram
emaranhamentos de relações familiares e as que deflagram acontecimentos
importantes que não foram levados em consideração. No conto João e Maria,
podemos perceber os dois: a pobreza que assola a família, aperto financeiro e filhos
que tiveram que sair cedo de casa. Quem se identifica com este conto pode
possuir essa dinâmica de ter tido que crescer rápido demais ou se sentir
abandonado pelos pais. Na Bela adormecida, assim como a décima terceira fada
não fora convidada ao batizado da princesa, alguém fora excluído da família.
Enquanto não for dado a todos pertencentes à família um lugar digno, alguém
pagará por isso, compensando essa pessoa excluída através de não realização
plena do potencial de vida. Essa identificação irracional e inconsciente pode
levar uma pessoa a ser impelida a fazer coisas que não compreende o porquê,
como sentir raiva de alguém da família sem ter motivos, não se realizar
profissionalmente, estar sempre devendo, etc.
No conto do
patinho feio, percebemos a inadequação sentida pela criança em seu seio
familiar e também pode indicar casos de bullying. Em Rapunzel, podemos ver o
tema da superproteção, do isolamento, e algumas vezes de algum caso de adoção
na família que não fora revelado. Em chapeuzinho vermelho, precisamos
investigar quem é o lobo na família, alguém que por ser considerado mal, fora
banido. Pode indicar também algum caso de abuso sexual. E assim como a sombra
psicológica, quando é evitada, volta na forma de um monstro, muito maior do que
realmente é, uma pessoa pode se tornar de difícil convivência quando não é
aceita em todas suas particularidades.
No teatro
terapêutico, uma cena de história ou de vida é encenada repetidamente até que
se torne possível a elaboração e outros desfechos também possam ser criados. O
herói das histórias nos ajuda a desenvolver a ação necessária para superação,
pois ele é carregado de energia de ação e otimismo. Ele faz por nós, mesmo que
na imaginação, nos convidando a fazer o mesmo.
Em Malévola,
filme baseado no conto da Bela Adormecida, nos permite refletir que outras
versões da mesma história são possíveis e que nem tudo é tão mal que não possa
ser transformado.
Sílvia Rocha –
Psicóloga, Arteterapeuta, Consteladora familiar sistêmica.