Ritos
de Passagem, drogas e espiritualidade
“O acesso a uma condição superior é
obtido com uma morte e uma regeneração simbólicas e rituais.” – (Zoja, L.)
Em
nossa sociedade ocidental contemporânea, falta ritual de iniciação para
estruturar as passagens da vida. Não somente os ciclos da vida que naturalmente
atravessamos como da criança ao adulto, do estudante ao profissional, do
solteiro ao casado, como para a movimentação energética entre o consciente e o
inconsciente que surgem no dia a dia. Se existem alguns rituais como batismo,
casamento, festas de 15 anos, e até mesmo provas que marcam a passagem de um
estado a outro como vestibular e prova de motorista, estes se tornaram muito
mais eventos racionais, sociais e superficiais do que profundos e sagrados, o
que faz perder o caráter de iniciação. A religião tem sido vivida no seu
sentido muito mais dogmático do que emocional. O símbolo possui função energética
importante nesta passagem e permite ao nosso mundo psíquico mais mobilidade,
característica esta fundamental à saúde psíquica.
Sob a
forma abstrata, os símbolos são ideias religiosas; sob a forma de ação, são
ritos ou cerimônias. A transformação
de energia por meio dos símbolos é um processo que vem se realizando desde o
inicio da Humanidade. Os símbolos são produzidos pelo inconsciente, revelados pela
intuição ou pelos sonhos, existindo
uma conexão entre as imagens oníricas e as imagens mitológicas.
Os ritos de
passagens e iniciação, segundo o analista junguiano Luigui Zoja,
preconizam uma morte que leva ao início de algo, como um novo começo. A morte como sinônimo de transformação e não de fim, e por
isto bem vinda e não evitada. A estes momentos, carecemos de um espaço sagrado,
fora de nossas demandas diárias e compromissos para uma dedicação maior ao
mundo interno. O sagrado tem sido alijado e então decaímos ao espaço do
racional e do material, com ausência de sentido que possa nutrir nossas almas.
Neste espaço vazio,
as drogas preencheram a ânsia da plenitude numa tentativa malograda de iniciação no mundo espiritual, como afirma
Zoja: “falha já de início por falta de consciência.”
Concebemos o uso e consequente dependência de drogas, como
o atendimento ao chamado da alma pelo mundo transcedental e arquetípico, no
entanto sem um recipiente (ritual, cerimônia) adequado que suporte a força do
inconsciente e que portanto, não elabora seus conteúdos de uma maneira
eficiente proporcionando o amadurecimento psíquico e a transformação do ser humano.
Segundo Jung, falta o rito: “(...) o
rito, que desde tempos imemoriais constituíra um caminho seguro de acomodação
para as forças incalculáveis do inconsciente.”
Nas sociedades tribais encontramos o uso
ritualístico de plantas de poder para se alcançar estados mais elevados de
consciência e trazer símbolos de renovação para a comunidade.
Percebemos no sintoma da adicção, a
mensagem para a expansão da consciência e não como fuga da realidade como
geralmente é interpretada. Porém ao invés da evolução esperada e da integração
da totalidade almejada, o que se consegue é uma ilusão e um retorno ao estado
infantil de dependência.
O
número crescente de consumidores por drogas tanto legais quanto ilegais, nos
faz levar a crer a demanda por uma experiência profunda, a qual não cabe na
sociedade de hoje materialista, indicando uma crise nos valores vigentes.
Hoje,
percebemos os jovens indo a festas onde
o som mais lembra um toque de tambor repetitivo, o mesmo som que algumas tribos
utilizam para jornadas xamânicas. Também sabemos que nestas festas ocorre o consumo de drogas pesadas. Não
será que estes jovens anseiam por uma experiência de totalidade do self, mas
não sabem aonde e como buscar?
E
estas drogas por eles utilizadas, às vezes legais como cigarro, álcool e às
vezes ilegais como maconha, heroína, crack e outras mais, que deixam efeitos
colaterais destrutivos para o organismo e sem falar no comércio ilegal, que
incentiva o tráfico e a violência nas cidades, demonstra a nostalgia pelo
sagrado e a tentativa, mas não a realização de uma experiência transcendente? O
contato com a sombra é feito, mas não há uma elaboração da experiência que
chegue a transformá-la na luz da consciência. Daí o perigo de mergulhar numa
viagem sem volta.
A cura da relação de dependência com qualquer objeto
cuja energia esteja investida, seja ele drogas, sexo, comida, etc. é a força do sagrado que transcende a psique
racional e se expressa na religiosidade (religare), na relação com a divindade,
na imagem de Deus, símbolo do Si Mesmo (Self).
Nas palavras de Jung: “Seu anseio pelo álcool era o equivalente, num
nível inferior, ao espírito de sede de
nosso ser pela totalidade, expresso na linguagem medieval: a união com Deus.”
Jovens precisam de grupos com orientação de algum mestre
que ajude a passar pelas experiências: grupos de jovens em alguma instituição
religiosa, aulas de artes marciais ou capoeira e até mesmo de dança e
artes. Um psicoterapeuta também pode ser
um guia para essa viagem ao mais profundo de si mesmo, ajudando-o a interpretar
ritualisticamente – semanalmente no mesmo dia e horário - seus maiores anseios,
resgatar seus símbolos do inconsciente que o ajudarão nas passagens da vida,
dentro de um espaço “sagrado” protegido.
Sílvia Rocha – psicóloga ( crp:05/21756) formada
pela UERJ, Arteterapeuta, consteladora familiar sistêmica, especialista em
Psicologia Junguiana (IBMR)
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