quarta-feira, 20 de maio de 2015

Projeções


Projeções

“No momento em que ouvi minha primeira história de amor comecei a procurar por você, sem saber o quão cego eu estava. Os amantes não acabam finalmente encontrando-se em algum lugar. Eles estão um no outro o tempo todo.” Rumi

                Tudo que é inconsciente é projetado. Em latim, Pro jacere significa atirar à frente. Segundo Jung: “a razão psicológica genérica da projeção é sempre um inconsciente ativado que busca expressão.” É uma tendência natural projetar primeiramente sobre nossos pais, depois quando somos obrigados a deixá-los, projetamos sobre as instituições, as figuras de autoridade e os papéis sociais. Entre as projeções possíveis, as mais comuns são: sobre a instituição do casamento, a da paternidade, a da maternidade, dos filhos, e da carreira.

                Quando crianças os pais são verdadeiros heróis. A mãe é a mais linda, o pai é o mais forte e sábio. As crianças se enchem de orgulho para falar de seus pais. Já na adolescência os heróis mudam de figura e se tornarão personagens de TV, de ficção, um cantor ou cantora, ou de um jogo eletrônico. No enamoramento, a projeção cai sobre o ser amado e expectativas são criadas e levadas até o casamento.

                No altar existem projeções ocultas despejadas sobre o ser amado.  O peso que se coloca em cima do outro é imenso. Do tipo: “Conto com você para me completar, para curar minha alma ferida. Conto com você para ler a minha mente e me suprir em minhas necessidades. Conto com você para me fazer feliz”.

           As expectativas cobram de ambos os lados um esforço para se encaixar na imagem projetada. As imagens do ser amado são carregadas dentro de cada um de nós desde a infância e projetadas sobre aqueles capazes de receber nosso material inconsciente.

Segundo James Hollis, analista junguiano, os relacionamentos íntimos tem grande chance de repetir esse Outro Íntimo, que criamos a partir do relacionamento com o pai ou a mãe, sobre quem são projetadas as mesmas necessidades e a mesma dinâmica. Quanto mais inconsciente estamos disso, maior a projeção. 

Viver diariamente com outra pessoa desgasta as projeções. Na intimidade, as pessoas acabam se mostrando humanas. Quão maior a expectativa sobre o outro, maior a decepção.

Essas projeções podem recair também sobre os filhos. Pais e mães que acham que sabem o que é melhor pra seu filho, sem perceber o que a criança realmente gosta ou qual é seu verdadeiro talento e aptidão. Quando por exemplo, coloca-se uma criança para estudar piano, quando na verdade ela gosta mesmo é de bateria ou não gosta de música mas de esporte. Segundo Jung, o maior fardo que uma criança pode carregar são as frustrações dos seus pais.  Quando os pais querem que os filhos realizem aquilo que eles mesmos não puderam realizar.

Adolescentes tendem a repelir essas expectativas de serem extensões de seus pais. Nesse sentido essa reação adolescente é saudável para sua própria vida. Pais não resolvidos em suas vidas podem depositar essa carga excessiva nos filhos. O maior bem que os pais podem fazer é desejar e apoiar que os filhos se realizem com aquilo que ressoa sua alma.

 

                A profissão, a carreira também é um depositário de projeções. Com ela se alcança uma identidade, devido a um conjunto de habilidades dominadas, reconhecimento e proteção devido a nossa produtividade e até um sentimento de transcendência devido a inúmeras realizações.

                Mas chega um dia, na idade adulta que todas essas projeções não têm mais razão de ser. Estão supridas ou desgastadas. E o rumo de nossas vidas precisa mudar. Ao esgotar uma projeção, uma insatisfação se dá, uma necessidade de renovação acontece.

Ao esgotar uma importante área de projeção de identidade, a pessoa deseja recomeçar e com ela uma oportunidade de expressão de outros potenciais do indivíduo que vai beneficiá-lo. Num casamento se um dos cônjuges resistir à mudança, o casamento poderá não sobreviver. Se a esposa passou a vida cuidando de filhos e da casa, num papel bem polarizado feminino e o marido trabalhando e ganhando dinheiro, na sua polaridade masculina, pode chegar um momento da mulher querer se experimentar no terreno do trabalho, para se sentir realizada em outros potenciais. E o homem querer ficar em casa, curtindo sua aposentadoria.

Recolher as projeções seja em relação ao companheiro, ao trabalho, aos filhos, aos pais, pode vir acompanhado de uma dor, da decepção, mas também pode por outro lado ser visto como uma libertação, tanto de si mesmo quanto da pessoa ao qual recebeu a projeção.

No início da projeção, não sabemos que estamos projetando, é inconsciente. Depois começamos a ver que não é bem assim como imaginamos, e começamos a perceber uma discrepância entre a realidade e a imagem projetada. Algumas vezes a imagem projetada só existiu dentro de si mesmo, outras a pessoa que recebeu a projeção condizia com boa parte do que se imaginava. Procurar dentro de si a origem da energia projetada, é um trabalho de auto-conhecimento, que fortalece e faz diminuir essa discrepância, diminuindo também as armadilhas das ilusões.

                Retirar a projeção de pai e de mãe como protetores simbólicos também faz parte do crescimento. Enquanto eles forem vivos fica sempre a sensação de um amparo psíquico, mesmo que estes estejam velhos ou doentes. Com a morte deles é que essa sensação de desproteção e desamparo aparece, por completo, inversamente fazendo buscar e nascer a sensação de auto-suficiência e auto-preservação.

                Temos tudo que precisamos dentro, só precisamos parar de buscar fora e acreditar nesse imenso manancial de recursos internos. A projeção faz parte, mas retirá-la é um sinal de maturidade.

Sílvia Rocha

               

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