quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Carnaval - No balanço das polaridades


Carnaval

No balanço das polaridades
 
Diário de Teresópolis, 27 de fevereiro de 2014

 

                Em tempo de folia, vale soltar as emoções, expressar fantasias, desejos e até nostalgia. Momento de festa e alegria, uma pausa nas lutas no dia a dia. Excessos, extravagância, delírios fazem parte da vida, até mesmo são necessários para contrapor a retidão, a seriedade e sensatez. Às vezes para encontrar a medida, a desmedida. É Dioniso chegando, fazendo balançar.

                Os ritos de Dioniso, na Grécia antiga são definidos como fenômenos religiosos e também um espaço cultural de transgressão, de inversão das leis habituais. Dioniso estremece o status quo, por isso promove a renovação da comunidade.  Conta o mito que um belo dia, brincando com os sátiros começa a amassar as uvas com os pés e a tomar o suco até que ficam embriagados e começam a dançar. É a criação do vinho. Os devotos de Dioniso, após dançarem vertiginosamente, caem desfalecidos , saindo de si para que o Deus entrasse e se apossasse pelo “entusiasmo”.

Dioniso é  o deus do vinho, da embriaguês e da dissolução do homem. O culto de Dioniso envolve uma experiência simbólica de regressão ao caos. Pelo vinho faz o homem encontrar Deus. No culto, é permitido viver a mania, a alegria exacerbada de forma ritual, simbólica, reversível para não ser pego pela mania literal e irreversível. Baseia-se na transformação: através do êxtase o homem se transporta do mundo do cotidiano para o mundo dos deuses. É uma experiência arquetípica que o homem busca até hoje, mas ao invés de encontrar o sagrado, se perde na inconsciência. A busca é legítima, mas o meio pode ser uma cilada quando o álcool coloca em risco a vida, a saúde.

Um ritual ajuda a encaixar melhor as passagens da vida na psique, unindo mundo externo e interno, marcando um início ou término de um ciclo. O carnaval no Brasil eterniza rituais arcaicos da colheita, num grande encontro entre o sagrado e o profano. Herdou da França e da Itália, as máscaras e fantasias como columbina e pierrô, misturando-se com a Macumba africana. Hoje em cada estado brasileiro, um estilo, um ritmo, uma riqueza artística e cultural, expressão do imaginário popular.

A desordem permitida, libera possibilidades que são negadas no dia a dia. Catarses de revolta, insanidades, paixões ganham um lugar, mas é apenas uma brincadeira. O brincar fantasiado, transgride, liberta, une e transcende as individualidades.  Encontros, pulsões, desejos, excitação, tudo é uma grande provocação. Os instintos presentes movem o corpo na multidão, num transe coletivo  de gritos, cantos, gestos e rebolados.

A folia, do francês, foli que significa loucura, êxtase, sai da sombra e vem pras ruas. É possível integrar na psique o que há de mais terrível, temido ou sensual, vivenciando personagens nas fantasias de  carnaval. A máscara pode então revelar: O que é reprimido no cotidiano, ganha vida, ganha voz. Viver o oposto para se regenerar. A parte antes escondida é integrada e se dá uma renovação.

Como os sonhos complementam ou compensam o consciente, as fantasias também ajudam nessa auto-regulação da psique. Quem vive numa unilateralidade, uma hora o outro lado vai cobrar. Homens vestidos de mulheres, mulheres boazinhas demais vestidas de mulher-gato sedutora, meninos doces vestidos de monstros, a menina levada vai de bailarina.

Damos vida ao arquétipo do Trickster, figura ambivalente que lembra o coiote, que faz você cair para sair da seriedade e aprender a rir de si mesmo. O Heyoka nativo americano, uma espécie de palhaço que brinca com as polaridades, onde se está triste, ri, onde se ri, fica sério, na lembrança que os polos são na verdade, faces da mesma moeda. E no Brasil, o malandro, o sedutor esperto, espirituoso e trambiqueiro é simpático ao povo na ginga da mentira que cola, no auto-engano das ilusões. A consciência desses símbolos nos faz curtir sem sermos pegos de rasteira por eles.

Cabe lembrar das distorções de uma festa-ritual que era pra ser de celebração da vida, para não ser engolido pela sombra coletiva: nessa época ocorre o aumento do turismo sexual, das DSTs (doenças sexualmente transmissíveis), da gravidez indesejada. Para acordar os jovens desavisados: Tudo tem um limite, ultrapassá-lo pode ser perigoso! Celebrar a vida intensamente com cores, danças, música é sagrado. Arriscá-la, já não é mais!

É saudável bailar nas polaridades opostas e complementares que nos preenche a totalidade do ser. Com dignidade e responsabilidade, pode-se viver uma criativa história carnavalesca. São quatro dias de manifestação da alegria, de permissão de viver sua fantasia. E você, já escolheu a sua?

Sílvia Rocha – psicóloga, Crp: 05/21756,



 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário