quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O Silêncio dos Sábios


O silêncio dos sábios

 “Aquele que sabe não fala; aquele que fala não sabe.” Lao-Tsé

“Mas escuta o que sopra, a mensagem incessante que se forma do silêncio.”  Rainer Maria Rilke
 

                Estive no Rio de Janeiro por ocasião do lançamento do livro de ervas dos pajés do povo Huni Kuin do Acre (mais conhecidos por Kaxinawá) realizada no parque Lage. Já os conhecia por ter trabalhado com eles por um tempo, há alguns anos atrás. Foi bom reviver esse contato com um povo que vive em parceria com a natureza, com uma rica cultura repleta de simbolismos, ritos, medicinas naturais, artes e sabedoria. O que me chama mais atenção neles é o silêncio, a serenidade e afetividade na voz. A sabedoria que eles emanam de seu centramento e equilíbrio é transmitida em poucas palavras e por sua forte presença silenciosa. Precisa ser sensível para perceber.

                Contrastam com a verborragia do povo da cidade, que tem uma necessidade de falar e falar muito. Quando falamos muito não nos escutamos, estamos preenchendo o espaço para não ficar vazio. Sentar ao lado de um ancião indígena e ficar em silêncio, é uma experiência, é compartilhar uma existência dentro do momento presente. Nós da cidade, não temos total consciência do que criamos ao falar e somos displicentes com isso.

                Para os pajés uma palavra pode trazer uma cura, ou uma doença. Uma palavra pode iluminar ou trazer discórdia e guerra, pode unir ou separar. Um pensamento bom pode abrir caminhos, deixar uma pré-disposição para receber coisas boas da vida. Um pensamento limitante pode bloquear a visão para novas oportunidades que acontecem todos os dias.  Fisiologicamente falando, bem estar e mal estar podem ser fruto da qualidade do pensamento. Como um indígena Huni Kuin observou: “o povo da cidade sofre da doença do pensamento.”

Segundo o profeta Khalil Gibran: “E quando não podeis mais viver na solidão de vossos pensamentos, viveis em vossos lábios e o som é uma diversão e um passatempo.” (...)  “Entre vós, há os que buscam os que falam por medo de ficarem sozinhos.” Esta necessidade de preencher o vazio, leva a falar muito, comer muito, colecionar coisas, guardar entulhos em casa, ter vícios como fumar, beber ou se drogar. É a ilusão de que alguma coisa vai preencher o vazio emocional.

Um outro vício de nossa sociedade é a fofoca. É tanta fuga de si mesmo que falar do outro se torna fascinante. Como se o fofoqueiro estivesse num posto superior capaz de julgar o comportamento alheio. Há uma inveja do que o outro teve coragem de fazer e a vingança é espalhar o boato. A fofoca não é uma verdade completa, pois tem sempre a percepção e o julgamento do fofoqueiro que não esteve na pele do fofocado. Então pela fofoca, o fofoqueiro se trai. Como diz Freud: "O homem é dono do que cala e escravo do que fala." (...) "Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo."

                Vivemos numa cultura do barulho, nas cidades grandes, muitos sons, buzinas, rádios altos, gritos, barulhos de obra, televisão sempre ligada, muitas vozes. Essa poluição sonora faz o pensamento estar sempre acelerado. Para quem mora ou foge do burburinho, no veraneio, as cidades menores como a nossa proporcionam esse silêncio que traz mais contato com os sons naturais, e portanto com a essência das coisas e de si mesmo. Os orientais tem essa cultura da meditação, das pausas, do silêncio. Precisamos aprender com eles. Estamos lotados de pensamentos que não são nossos. Repetimos padrões familiares, sociais, repetimos a cultura midiática sem ter consciência disto. E a televisão e as redes sociais, passam a ser como mestres que ditam valores, crenças, de como você deve agir, pensar e sentir para estar “por dentro”. É a massificação onde pertencer, vira sinônimo de alienação de si mesmo.  Outra ilusão que temos é que o outro vai nos salvar da solidão. E daí relacionamentos de dependência são criados. Há quem tudo pergunte para os outros, não sabendo tomar uma decisão por si mesmo.

Nem tudo pode ser respondido pelo outro ou pela internet, há coisas que somente mergulhando em si mesmo. Como nos diz o cineasta David Lynch: “A verdade é que pela meditação você se torna cada vez mais você.” O silêncio pode causar medo pois coloca em contato  com o que cada um tem dentro: Medo da solidão, do abandono, da rejeição, da exclusão, angústias, conflitos, dúvidas, anseios, que somente confrontados podem ser resolvidos. O medo aumenta o fantasma, e a confrontação o faz relativizá-lo. E quando essas barreiras do medo são ultrapassadas é possível  enxergar que dentro também existe um manancial de amor e que potencialidades latentes podem ser manifestas.

O vazio alcançado pela meditação é fértil, onde é possível acessar a fonte da criatividade e escutar a voz de sua própria sabedoria. Faz acessar o arquétipo do velho sábio existente em cada um de nós.

               

                Sílvia Rocha – Psicóloga crp:05/21756



               

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. "Siga o sábio: O sábio sabe o segredo e sai sozinho e sereno no silêncio." O silêncio é uma resposta, principalmente quando não podemos bater de frente com palavras.
    ilmasoaresvieira@gmail.com

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  3. Amei esse texto: " O Silêncio dos Sábios" A autora está de parabéns. è uma revolução espiritual em minha vida. Ilma

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