quarta-feira, 1 de abril de 2015

No meio tempo


No meio tempo

“No meio do caminho tinha uma pedra,

No meio da pedra, um caminho.”

 

                A crise da meia idade é um momento que todos chegam, mas nem todos aproveitam. É um  momento de olhar o passado e a história criada, de perceber o caminho que fora trilhado, os ganhos as perdas, as conquistas e o que ainda não fora realizado. E também de olhar pro futuro e pra finitude da vida. É um momento mais psicológico do que cronológico. Não existe data certa para acontecer. Pode ser incitado por uma crise real, uma doença, uma perda, uma separação, uma depressão.

                Os motivos podem ser diferentes, mas todos eles despertam a consciência para o sentido maior da existência, onde não cabem mais desculpas para adiamento de coisas importantes ou justificativas para problemas que se repetem. Encarar a vida como um eterno problema criado por outros ou se fazer de vítima não cabe mais naqueles que já se interiorizaram e assumiram a responsabilidade pessoal de suas vidas.

                Papéis são assumidos, defesas são construídas desde a mais tenra infância pela aprendizagem destes através da observação dos pais. Como eles lidam com a vida vai moldar estratégias na criança desde cedo. Uma mãe muito ansiosa com a vida, vai ensinar que a vida precisa ser temida e controlada. Mesmo que a filha desta mãe, tenha uma vida calma e tranquila, já adulta vai sentir a ansiedade que aprendera em sua infância. Uma mulher frustrada em seus relacionamentos íntimos com homens, pode ter sentido na infância uma indisponibilidade do pai para com que ela, fazendo-a acreditar que não é merecedora de atenção. Feridas não curadas são determinantes para construir uma personalidade adulta pouco espontânea ou madura.

                O sofrimento vivido na infância vai forjar a personalidade adulta defendida, um reflexo dos  traumas. Na meia idade essa falsa personalidade construída a partir de dores e mazelas vai ser colocada em cheque. A verdadeira essência, Self ou Si Mesmo quer aparecer, cansada de estar encoberta por máscaras que foram necessárias por um tempo, mas que pedem por atualização. Será mesmo que é preciso continuar se defendendo? Será mesmo necessário continuar atuando em papéis que não condizem com seu real Ser?

                Essa crise da meia idade vem provocar a pessoa para ela se descobrir, quem ela realmente é além de sua história, além dos papéis interpretados?

Um adulto que quando criança tomou uma decisão de agradar seus pais seguindo seus caminhos, pode ter tido o alto custo de perder sua própria alma. Um filho que lutou a vida toda para preservar os negócios do pai, sacrificando sua alma de artista, pode deprimir diante da falta de sentido de sua vida para ele mesmo.

Questões evitadas, colocadas em baixo do tapete, mantidas inconscientes, numa crise de meia idade vem com força total. O tema da identidade se apresenta forte e importante, quem sou eu e para onde vou? O que foi feito até agora e o que deixei de fazer?

Pessoas que construíram uma carreira, tiveram o foco em bens materiais, investiram sua energia em se estruturar financeiramente, depois da meia idade passam a se interessar por questões filosófica e espirituais. Já quem tenha se dedicado a um caminho espiritual, pode sentir falta de construir agora na matéria, a sua evolução. Aqueles que se desenvolveram intelectualmente graduando-se cada ano mais, pode querer desenvolver seu lado mais emocional, expandindo sua relações afetivas. Quem se dedicou ao coletivo, pode sentir falta de estar mais em família e quem teve cedo sua própria família pode querer expandir seu território afetivo para questões mais sociais e coletivas.

Esse momento como toda crise pode vir acompanhado de sintomas, e cabe a cada um poder entender o que cada sintoma está querendo dizer. Aqueles que já costumam refletir e meditar talvez nem precisem fazer sintomas para provocar uma parada em sua vida. A sinceridade consigo mesmo é o mais recomendado, e isso pode significar ir contra todo um ambiente já consolidado e esperado. O sistema pede coisas que vai contra a verdadeira essência. Questionar sem pressa de responder, esperar que os sinais apareçam do mais íntimo de seu ser, é maturidade. Talvez nessa fase, algumas coisas precisem morrer, para que outras mais verdadeiras possam nascer. Se uma crise vem carregada de anseios, dúvidas e dificuldades, passar por ela, pode ser a salvação para uma vida mais digna. Porque é nas próprias dificuldades que estão as respostas. É preciso coragem para se entregar a esse processo que não é fácil mas pode significar renascimento para uma vida mais iluminada. E daí a crise passa a ser bem vinda e abençoada

Sílvia Rocha

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