O silêncio dos sábios
“Aquele que sabe não fala;
aquele que fala não sabe.” Lao-Tsé
“Mas escuta o que
sopra, a mensagem incessante que se forma do silêncio.” Rainer Maria Rilke
Estive
no Rio de Janeiro por ocasião do lançamento do livro de ervas dos pajés do povo
Huni Kuin do Acre (mais conhecidos por Kaxinawá) realizada no parque Lage. Já
os conhecia por ter trabalhado com eles por um tempo, há alguns anos atrás. Foi
bom reviver esse contato com um povo que vive em parceria com a natureza, com uma
rica cultura repleta de simbolismos, ritos, medicinas naturais, artes e
sabedoria. O que me chama mais atenção neles é o silêncio, a serenidade e
afetividade na voz. A sabedoria que eles emanam de seu centramento e equilíbrio
é transmitida em poucas palavras e por sua forte presença silenciosa. Precisa
ser sensível para perceber.
Contrastam
com a verborragia do povo da cidade, que tem uma necessidade de falar e falar
muito. Quando falamos muito não nos escutamos, estamos preenchendo o espaço
para não ficar vazio. Sentar ao lado de um ancião indígena e ficar em silêncio,
é uma experiência, é compartilhar uma existência dentro do momento presente. Nós
da cidade, não temos total consciência do que criamos ao falar e somos
displicentes com isso.
Para
os pajés uma palavra pode trazer uma cura, ou uma doença. Uma palavra pode
iluminar ou trazer discórdia e guerra, pode unir ou separar. Um pensamento bom
pode abrir caminhos, deixar uma pré-disposição para receber coisas boas da
vida. Um pensamento limitante pode bloquear a visão para novas oportunidades
que acontecem todos os dias. Fisiologicamente
falando, bem estar e mal estar podem ser fruto da qualidade do pensamento. Como
um indígena Huni Kuin observou: “o povo da cidade sofre da doença do
pensamento.”
Segundo o
profeta Khalil Gibran: “E quando não podeis mais viver na solidão de vossos
pensamentos, viveis em vossos lábios e o som é uma diversão e um passatempo.”
(...) “Entre vós, há os que buscam os
que falam por medo de ficarem sozinhos.” Esta necessidade de preencher o vazio,
leva a falar muito, comer muito, colecionar coisas, guardar entulhos em casa,
ter vícios como fumar, beber ou se drogar. É a ilusão de que alguma coisa vai
preencher o vazio emocional.
Um outro vício
de nossa sociedade é a fofoca. É tanta fuga de si mesmo que falar do outro se
torna fascinante. Como se o fofoqueiro estivesse num posto superior capaz de
julgar o comportamento alheio. Há uma inveja do que o outro teve coragem de
fazer e a vingança é espalhar o boato. A fofoca não é uma verdade completa,
pois tem sempre a percepção e o julgamento do fofoqueiro que não esteve na pele
do fofocado. Então pela fofoca, o fofoqueiro se trai. Como diz Freud: "O
homem é dono do que cala e escravo do que fala." (...) "Quando Pedro
me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo."
Vivemos
numa cultura do barulho, nas cidades grandes, muitos sons, buzinas, rádios
altos, gritos, barulhos de obra, televisão sempre ligada, muitas vozes. Essa
poluição sonora faz o pensamento estar sempre acelerado. Para quem mora ou foge
do burburinho, no veraneio, as cidades menores como a nossa proporcionam esse
silêncio que traz mais contato com os sons naturais, e portanto com a essência
das coisas e de si mesmo. Os orientais tem essa cultura da meditação, das
pausas, do silêncio. Precisamos aprender com eles. Estamos lotados de
pensamentos que não são nossos. Repetimos padrões familiares, sociais,
repetimos a cultura midiática sem ter consciência disto. E a televisão e as
redes sociais, passam a ser como mestres que ditam valores, crenças, de como
você deve agir, pensar e sentir para estar “por dentro”. É a massificação onde
pertencer, vira sinônimo de alienação de si mesmo. Outra ilusão que temos é que o outro vai nos
salvar da solidão. E daí relacionamentos de dependência são criados. Há quem
tudo pergunte para os outros, não sabendo tomar uma decisão por si mesmo.
Nem tudo pode
ser respondido pelo outro ou pela internet, há coisas que somente mergulhando
em si mesmo. Como nos diz o cineasta David Lynch: “A verdade é que pela
meditação você se torna cada vez mais você.” O silêncio pode causar medo pois
coloca em contato com o que cada um tem
dentro: Medo da solidão, do abandono, da rejeição, da exclusão, angústias,
conflitos, dúvidas, anseios, que somente confrontados podem ser resolvidos. O
medo aumenta o fantasma, e a confrontação o faz relativizá-lo. E quando essas
barreiras do medo são ultrapassadas é possível enxergar que dentro também existe um manancial
de amor e que potencialidades latentes podem ser manifestas.
O vazio
alcançado pela meditação é fértil, onde é possível acessar a fonte da
criatividade e escutar a voz de sua própria sabedoria. Faz acessar o arquétipo
do velho sábio existente em cada um de nós.
Sílvia
Rocha – Psicóloga crp:05/21756
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir"Siga o sábio: O sábio sabe o segredo e sai sozinho e sereno no silêncio." O silêncio é uma resposta, principalmente quando não podemos bater de frente com palavras.
ResponderExcluirilmasoaresvieira@gmail.com
Amei esse texto: " O Silêncio dos Sábios" A autora está de parabéns. è uma revolução espiritual em minha vida. Ilma
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