quarta-feira, 23 de abril de 2014

Quem não quer ser bem atendido?


Quem não quer ser bem atendido?
Diário de Teresópolis, 17 de abril de 2014

Há poucos anos morando em Teresópolis tenho percebido a inabilidade de atendimento em alguns estabelecimentos comerciais. Como não deixar de notar, quando entramos em uma loja e o vendedor nem nota?  Vendedoras que continuam a conversar sem nem dar papo para quem entra, por exemplo. Já houve casos do vendedor ser caçado dentro da loja e se voltar para o cliente com um olhar fuzilante, como se estivesse sendo incomodado. Sem falar de restaurantes e bares que o cliente fica esperando muito tempo para ser notado e atendido.

                Esses casos aconteceram mais de uma vez comigo e com amigos. Tendo trabalhado com treinamento de vendas e ao cliente, desenvolvimento humano dentre outros, por alguns anos em cidades grandes, fico considerando lamentável esta situação. Onde estão os donos para sanar estas situações? É claro que não podemos generalizar, existem lugares onde o cliente é muito bem tratado e atendido em suas necessidades e assim como resultado, ficará fidelizado àquele lugar.

                Atendimento é acolhimento em primeiro lugar. Porque se o cliente não sente um convite para se sentir à vontade dentro de uma loja, por exemplo, vai embora. Olhos e expressões faciais falam até mais do que palavras, quando vêm juntas melhor. Um bom dia seguido de um sorriso e expressão calorosa convidam à pessoa a ficar e passar mais tempo no local. Ficar atrás do cliente falando demais é cair no outro extremo.  Mostrar-se disponível e ficar atento às necessidades do cliente é o mais indicado. A expressão corporal é responsável pela maior parte da comunicação. As pessoas sentem quando são bem vindas por um simples gesto. O tratamento dado aos clientes vai fazer toda diferença. Atender a mais de uma pessoa ao mesmo tempo, pode ser uma cilada e nenhuma delas ficar satisfeita.

                               Em segundo lugar é preciso conhecer bem os produtos ou serviços, tanto a qualidade quanto a diversidade. Já aconteceu de um vendedor ser inquirido sobre determinada coisa na loja e ele responder um simples e redondo: Não. E ponto final. Ele não ofereceu outras opções, não se interessou pelas necessidades do cliente. É possível pensar que ele não estava interessado em vender e até mesmo que queria se livrar do cliente. Quando a cliente encontrou algo semelhante que a servia, na mesma loja, ficou estarrecida. Existem produtos que são únicos e se estiver em falta não tem jeito, mas tem outros que podem encontrar substitutos. E quando o cliente chega ainda sem uma ideia do que quer exatamente, o vendedor pode ajudar a construir essa ideia oferecendo o que existe em sua loja, ao invés de olhar para o cliente como se ele fosse um ET.

Muitas pessoas pesquisam antes de se resolverem por uma compra. Se o vendedor expressar raiva no olhar quando percebe que o cliente não vai comprar, será que a pessoa vai voltar mesmo que tenha se decidido por comprar naquela loja? É preciso driblar o imediatismo e perceber que a venda não é só o ato do pagamento. O cliente pode não só voltar como trazer outros possíveis compradores. A satisfação no atendimento só pode trazer bons resultados. Bom humor e alto astral sempre ajudam, contagiando o ambiente e criando o desejo de pertencimento.

                Um bom trabalho pode abrir outras portas. Um vendedor, um garçom, um atendente pode ser visitado por um empresário que está caçando novos funcionários. Se esse empresário for bem atendido, talvez até mesmo surpreendido recebendo algo mais do que o trivial, pode convidar  quem o atendeu a fazer uma entrevista a um novo emprego mais promissor. Um bom vendedor pode ser promovido também a gerente. E assim por diante. Realizar um bom trabalho é antes de tudo um marketing de sua própria capacidade.

                Melhorias só vão ocorrer se o dono estiver no comando, preocupado com seu negócio. É preciso que ele crie motivação nos vendedores, como níveis de remuneração a partir do desempenho, crie metas a serem alcançadas, estabeleça as funções e habilidades necessárias ao cargo, dê treinamento e fique de olho avaliando seus funcionários.

                Existem pessoas que tem por natureza uma sensibilidade nos relacionamentos, criam vínculos com facilidade por terem empatia e existem as que tem dificuldades mas se sobressaem na criatividade e conhecimento dos produtos e serviços. Treinamentos servem para ajudar a desenvolver habilidades que podem ser aprendidas e a maioria das pessoas tem capacidade de aprendizado.

                Em uma pesquisa que realizei há alguns anos atrás, com os melhores vendedores de uma rede de lojas, a filosofia comum em todos eles foi: gostar do que faz, querer sempre melhorar e ter fé em Deus que dias melhores sempre virão!
Sílvia Rocha

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A dança das Energias


A dança das energias
Diário de Teresópolis, 10 de abril de 2014
 

A Energia psíquica é uma característica dos vivos, e é uma parte da energia vital. Pode-se estar sem energia física, quando se está doente, por exemplo, mas a energia psíquica está sempre  presente na vigília e também nos sonhos. Energia é algo que não pode ser visto, apenas em suas manifestações. Assim como calor, luz e eletricidade são manifestações da energia física, fome, sexo, emoções são manifestações da energia psíquica.

Segundo Maslow em sua pirâmide de necessidades, primeiro precisamos estar resolvidos em questões de sobrevivência que são nossos instintos básicos como os de fome, sono, sexo, excreção, sede. Em segundo lugar com os de segurança do corpo, do emprego, da saúde, da família, recursos, propriedade. Em terceiro: amor e pertinência na família e em amizades, bem como de intimidade sexual, em quarto: auto-estima, confiança, conquista e aprovação e quinto: auto-realização como habilidades, competências, vontade de crescimento e espiritualidade. Apesar desta hierarquia nem sempre ser seguida à risca, fica a dica dos vários tipos de necessidades que o ser humano precisa preencher.

Emoções são carregadas de energia, assim como os pensamentos. Eles nos movem. Conflitos também. Há quem pense que os conflitos são negativos porque causam tensão, mas é justamente essa tensão entre questões opostas que nos levam a gerar mais energia psíquica e a inventar uma saída usando a criatividade para expandir, escolher, abrir mão, criar uma terceira opção, enfim, sair da tensão e se desenvolver.

É difícil de medir a energia psíquica mas podemos estimá-la através do valor que damos a determinados assuntos. Se consideramos algo banal, não investiremos nossa energia nele, mas se consideramos algo importante, o nível de intensidade de energia vai ser outro: dedicaremos tempo, esforço e sentimento naquilo. Uma ideia pode exercer uma influência em nós mais do que outras.

Nosso sistema psíquico é aberto e fechado ao mesmo tempo. O ambiente nos provoca o tempo todo e também temos nossas considerações, sentimentos e pensamentos causados e causadores de eventos. A energia pode estar em progressão, ou seja para fora, para adaptação ao meio e funcionamento na vida ou em regressão, entrando no inconsciente, ativando complexos que roubam  a energia podendo ocasionar uma depressão, em que o movimento da vida fica paralisada.

Podemos dizer que a depressão é a raiva voltada para si mesmo. Quando a raiva é contatada e expressa, começa a saída da depressão. Enquanto uma pessoa está chorando ou expressando raiva, ela está melhor do que aquela que está guardando. Essas pessoas que guardam são mais preocupantes por serem mais propensas a terem algum tipo de crise.

Quando a energia está muito pra dentro, represada, um surto, uma crise ou uma catarse se faz necessária. Alguns surtos não são necessariamente psicóticos, mas tentativas de rompimento com  padrões já obsoletos. A arte pode ajudar uma pessoa a se expressar seja por simplesmente fazer, como uma terapia ocupacional, por exemplo fazer um arranjo floral, montagem com sucatas, até  mesmo expressar emoções pela pintura, escultura e teatro.

Quando a energia está muito para fora, este desequilíbrio cria um sintoma para compensar. O corpo dói para ser sentido, para que a atenção se volte para dentro. Para sair das somatizações, uma regressão de energia é indicada para a ativação do mundo interior. Nesse momento o silêncio é o indicado pois ele nos conecta, acima de tudo a nós mesmos. Começamos a nos ouvir quando silenciamos. Penetrar no silêncio é ultrapassar a mente tagarela que muitas vezes nos engana. Nesse sentido a arte também nos ajuda a organizar nossas introspecções.

Os sonhos também são grandes mensageiros do inconsciente nos dando pistas do que precisamos dar atenção. A psique abrange mente e corpo num sistema consciente-inconsciente, trocando energia em nosso interior e no contato com o meio e com outras pessoas. É como vários passos de uma dança. Aliás dançar tem sido uma bela metáfora para a vida pois abarca vários movimentos vitais e psíquicos como se expandir, contrair, esperar, avançar, seguir o fluxo, olhar nos olhos, conduzir e ser conduzido.

Sílvia Rocha

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Era uma vez uma história


Era uma vez uma história
Diário de Teresópolis, 03 de abril de 2014
 

“O homem tem uma origem e um destino. A menos que se lembre disso, perderá a ambos.”

(Sufismo no Ocidente)
Quem não tem uma história para contar? Um caso, ou “causo”, história de pescador, de infância, memórias, relatos, história sobre os outros, coletivas ou compartilhadas onde cada um acrescenta um ponto? Ao contarmos escrevemos história ou a história nos escreve? O passado é revisitado quando contamos e ainda o significado do evento ocorrido é atualizado. Quem narra sua própria história é dono dela, apropria-se de sua vida, empodera-se, reforça sua identidade.

 Até determinada idade os adultos contam a história da criança, como ela foi, do que ela gostava, como agia, e esse relato ajuda a construir sua auto-imagem e reforçar comportamentos. Quando as lembranças já se tornam mais nítidas é sinal de que já é possível ser o narrador de sua própria biografia.

Cada um tem sua história contada a partir de seu ponto de vista. Pode-se enfatizar pontos negativos, positivos, lições aprendidas, e um conjunto de tudo isso. Entrevistar parentes mais velhos sobre histórias de família permite tecer uma trama composta e trazer mais consciência de si. Como nos avisa Chimamanda Adichie, contadora de histórias nigeriana, o perigo de uma só história é criar um estereótipo, uma visão incompleta e limitada da realidade e que pode tirar a dignidade de uma pessoa, um povo, um país. Em suas palavras: “Mostre a um povo que ele é uma única coisa, repetidamente, e é isso que ele se tornará. (...)Histórias importam e tem sido usadas para expropriar mas também para capacitar e empoderar. Para tirar a dignidade e também para repará-la”.

Antigamente e até hoje entre certos povos é comum a transmissão oral de histórias que trazem ensinamentos e valores. Hoje a televisão ocupa um lugar que antes era o de compartilhar entre gerações. Assim a memória de histórias passadas e vividas caem no esquecimento e levam junto a identidade familiar e a força ancestral, criando sintomas e questões que poderiam ser resolvidas com a consciência histórica. Escutar o desfecho de uma história contada pelo próprio autor inspira e motiva novas possibilidades de ação, permite a articulação de experiências diversas, a partir do exemplo e da referência.

Já histórias universais como os mitos e contos de fadas falam diretamente à nossa alma porque são atemporais e atuam como um espelho, na medida em que a pessoa se identifica com os personagens e enredos. Além de transmitirem conhecimento e cultura, esses contos atuam ainda como guias por apresentarem recursos criativos e soluções para inúmeros problemas, tornando-se uma técnica terapêutica de auxílio à mudança.

Milton Erickson, hipnoterapeuta inventava metáforas que guiavam e traziam novas possibilidades para seus pacientes. Pensamentos são histórias que contamos para nós mesmos. Então nos condicionamos e criamos um mundo a partir de nossas fantasias, criando  saúde ou doença, mantendo ou transformando padrões de pensamentos.

Certas histórias caem como uma luva no momento certo em que vivemos alguma situação, pois apontam uma nova direção, despertam reflexão, transformam emoções, ampliam percepções. Como diz Clarissa Pinkola Éstes, em Mulheres que correm com os lobos, histórias são bálsamos de cura. Elas são diversão mas também arte medicinal, entretém e orientam. Entre nativos da floresta amazônica, existem os pajés das ervas, os pajés de cantos e os pajés contadores de histórias. Para cada doença, uma história.

Já sob o olhar de  Jung e da complexidade humana é a psique que se “encaixa” em vários mitos de várias culturas ao redor do mundo. Vivemos mitos sem perceber e parecem que se tornam o script de nossa vida.

 Segundo os biólogos chilenos Maturana e Varela, os sistemas vivos são auto-poiéticos, criam-se a si mesmos. Paradigmas funcionam como uma estrutura e sustentação mas também limitam a novos horizontes. Construímos o mundo em que vivemos a partir de nossas percepções sobre ele, e é nossa estrutura que permite essas percepções. Então, nosso mundo é a visão que temos dele, nos recriamos a cada instante a partir das histórias que ouvimos e contamos. Somos essas histórias.

Compartilhar, narrar e escutar pode ser um grande momento de renovação de si mesmo com abertura à imaginação, à criatividade, ao mundo das idéias inovadoras.
E você, que histórias tem vivido e contado? Está enredado, batendo sempre na mesma tecla? Somos personagens da nossa vida, mas também somos os autores e diretores.

Sílvia Rocha

domingo, 30 de março de 2014

Arquétipo do Guerreiro


Arquétipo do Guerreiro
Diário de Teresópolis, 27 de março de 2014

 “Honrar é a capacidade que temos de conferir respeito ao outro. Tornamo-nos dignos de honra quando nossa capacidade de respeitar é expressa e fortalecida”. Sobunfu Somé – povo Dagara

Parece haver em todas as culturas nativas, quatro arquétipos (estruturas inconscientes) vividos em comunidade: Arquétipo do guerreiro, do visionário, do mestre e do curador, segundo a antropóloga Angeles Arien que percebeu esses arquétipos como mantenedores do coletivo. Podemos relacionar  em nossa sociedade, o arquétipo do guerreiro como equivalente ao da liderança.

Segundo os ensinamentos de Arien, o líder opta pelo poder da presença, mostrando-se na prontidão, respondendo à demandas, assumindo seu lugar. Sabe que seus atos devem acompanhar suas palavras para que tenha o poder da confiança. Não necessariamente um líder por cargo é um líder nato. Mas pode-se aprender a ser um líder quando a vontade de servir e representar uma comunidade ou grupo está presente.  

                A comunicação do líder deve ser criteriosa: saber dizer não quando encontra um limite e saber dizer sim quando tem verdadeiramente disponibilidade para fazer algo. Promessas não cumpridas o fazem cair na descrença e na desconfiança.  A responsabilidade não é apenas a capacidade de responder, mas de sustentar ações e responder com integridade pelo que é feito ou deixado de fazer.  Isso mantém o poder do líder no tamanho de seu respeito e de sua honra.

Um líder deve ter disciplina, que significa ser discípulo de si mesmo, honrando o próprio ritmo, realizando tarefas passo a passo até que a missão seja cumprida.

O desafio maior de todo guerreiro e líder é o uso correto do poder. Alguns povos nativos usam a palavra poder e remédio ou medicina como sinônimos. Quando queremos dar plena expressão ao que somos, dizemos que estamos cheios de força, e que expressamos nossa medicina. Existe o poder sobre outro, que é um poder impositivo e autoritário onde uns mandam e outros obedecem e o poder compartilhado que acolhe a sabedoria de cada um. O diálogo centrado no ouvir para aprender e para coletar diversos pontos de vista é a mais indicada metodologia de um sistema cooperativo. A liderança é posta a serviço de um bem maior e isso demanda humildade. Quanto maior, menor - na lógica de uma liderança servidora. “Um bom líder é aquele que cria um ambiente onde todos querem pertencer”, segundo R. Dilts, porque são potencializados em suas medicinas, acrescentaria.

Segundo Arien existem 3 tipos de poder universal: Poder da presença: As inteligências física, mental, emocional e espiritual estão alinhadas e presentes.  Carisma e magnetismo vem de sua verdade interior que contagia e sua força vem de seu instinto. Estar presente fisicamente não significa que as outras partes estejam.  Também é uma decisão, estar livre de passado e de futuro.  Preencher o momento é empoderar-se. Poder da comunicação: A comunicação que nos fortalece e inspira é aquela que é liberada no tempo e lugar apropriados, para que as pessoas envolvidas possam ouvir e receber. Existe um acordo entre timming, conteúdo e contexto. A comunicação efetiva é estar atento a como o outro escuta, por isso o emissor  pede um retorno do que foi compreendido. Poder do posicionamento: Expressar uma tomada de decisão firme é situar o outro do que ele pode esperar. As decepções são causadas por expectativas criadas e não cumpridas.

                Todo arquétipo tem sua luz e sua sombra. A sombra do guerreiro consiste em uma dificuldade com a autoridade, seja por abuso de poder, falta de ética, competição ou por um padrão de invisibilidade - escondem-se por falta de competência podendo até mesmo inverter os papéis e se colocarem como vítimas, mas agindo por debaixo dos panos.

                Acontece que se tem uma liderança na sombra, existem também liderados na sombra, com sua permissividade, falta de consciência ou força de reação. Uma indesejada cumplicidade por inoperância.  Os desgovernos de sistemas corruptos, que testemunhamos numa conduta passiva, agora são denunciados por manifestações, expressões indignadas porém mais acordadas e portanto na luz.

Se um líder por cargo não confere a honra de um guerreiro, que os liderados embuídos de suas maestrias pessoais se tornem um. Não retornando na mesma moeda, rebelião também é tirania, mas sim se responsabilizando e honrando seus direitos e deveres. Os fins não justificam os meios, mas que os meios sejam exatamente o fim que queremos. O caminho do guerreiro requer coragem: força, direção e coração. Segundo os nativos, o tempo dos guerreiros da luz chegou!

Sílvia Rocha
 

               

sexta-feira, 21 de março de 2014

Vínculos Familiares

Vínculos Familiares
Diário de Teresópolis, 20 de março de 2014

“É livre quem pode transformar-se” – Bert Hellinger

                Porque será que por mais que uma pessoa se esforce, alguma área de sua vida não flui? E por mais que se tente avançar, parece que está se remando contra uma maré bem forte, fazendo o barco ficar inerte? Você já se questionou que talvez essa trava não seja somente sua? É o que podemos chamar de emaranhamento familiar.

Parece que somos ligados uns aos outros por fios invisíveis, uma vida toca e influencia a outra. Às vezes os fios estão bem perto outras estão distantes, mas estamos todos conectados a uma rede. E nas famílias, existem verdadeiras teias, onde os fios podem estar unidos e livres, fazendo o amor fluir em seu dar e receber, trazendo um sentimento de vínculo, segurança, apoio e liberdade. Outras vezes os fios estão emaranhados trazendo culpas, controle, dor  e vários nós precisam ser desfeitos.

Não é porque existe amor que existe saúde. Por amor pode-se sofrer, adoecer e até morrer, é um amor cego. Porque a pessoa enredada faz de tudo para se sentir pertencendo e isso pode significar se unir a um destino difícil. Então como ser bem sucedido numa família onde houveram fracassos? Como se casar se houveram tios solteiros a vida toda? Esses comportamentos que repetem os dos ancestrais são inconscientes e podem ser liberados quando trazidos à consciência.

Segundo as terapias sistêmicas, vivências de outras pessoas são carregadas, principalmente se estas pessoas foram excluídas do sistema familiar: sua existência foi mantida em segredo ou não recebeu um lugar digno na família. Exemplos: irmão falecido prematuramente ou natimorto, abortos, alienação parental, doentes, criminosos, casos de abuso, injustiças. É preciso encontrar que vínculos, eventos ou comportamentos estão por detrás do problema. A solução geralmente consiste em poder olhar mais amplamente a situação.

A alienação parental geralmente ocorre por ocasião de divórcios, onde a imagem de um dos pais é denegrida causando na criança um sentimento de rejeição a esse pai ou mãe. Isso causa um desequilíbrio na criança que necessita da força de ambos os pais dentro de si para se desenvolver saudavelmente. Filhos adotivos precisam ter dentro de si um lugar amoroso para seus pais biológicos independente de qualquer julgamento a respeito deles.  As pessoas excluídas também poderão ser buscadas em futuros parceiros. Por exemplo, se um filho de um relacionamento anterior de um pai fora renegado por ele, a filha do atual casamento pode encontrar apenas relações fraternas com os homens. O que pode ser dissolvido se este irmão for buscado e reintegrado à família.

O silêncio e o segredo familiar mostram a dificuldade que se tem de confrontar a dor que é relembrar e reviver algo difícil. A dor só é liberada quando sentida e quando se consegue dar um lugar digno para o ocorrido, senão uma compensação pode ser feita por um membro da família que se coloca à serviço inconscientemente pois nem sequer soube de tal evento. Pessoas falecidas precisam ser homenageadas, por isso  rituais de despedida são importantes, assim como contar histórias familiares para os membros mais novos da família.

Transformar o amor cego num amor que vê claramente os acontecimentos e destinos familiares passados é liberar a pessoa para trilhar seu próprio destino. Diferenciar-se sem culpa é possível quando o passado pára de atuar no presente, ao reconhecer injustiças pelo simples e profundo fato de olhar para elas com respeito e homenagem. Curvar-se reverenciando os destinos é separar-se deles ainda que o vínculo amoroso continue agora de uma forma mais saudável. Só se pode amar quando o outro é realmente um outro e não uma mistura.  

Dado lugar merecido a todos os envolvidos num sistema familiar, a reconciliação acontece. O que fora esquecido, é acolhido e o mais jovens poderão desfrutar de novos desfechos em suas vidas, em homenagem ao que seus ancestrais não puderam viver. Torna-se então possível olhar de frente o futuro e enxergar um campo de muitas possibilidades.

Sílvia Rocha

quinta-feira, 13 de março de 2014

E eles também são deuses...


E eles também são Deuses
Diário de Teresópolis, 13 de março de 2014

                Sempre que falo das deusas, os homens me perguntam e os deuses? Sim eles também povoam o inconsciente masculino e feminino. O patriarcado criou feridas na alma feminina e também criou um estereótipo de homem a ser aceito pela sociedade. Nesse sistema guiado pelo controle, razão e poder, não é à toa que vivemos guerras, abusos e injustiças. Os instintos e emoções, também foram renegados nos homens.

                Abandono de lares, agressividade e competitividade exacerbada são espelhos de um masculino desequilibrado. O lado mais escuro do Patriarcado pode ser personificado na figura de Darth Vader de Guerra nas estrelas, o homem-máquina  com sua máscara de metal, e o luminoso na figura de Luke Skywalker, herói que não se deixa seduzir pelo lado negro da força. Além do bem e do mal, precisamos integrar todos os lados da Totalidade, a Mitologia grega oferece essa gama de possibilidades:

Zeus – Deus dos raios e trovões encarna o paizão, tanto provedor quanto punitivo, é um poderoso líder. Teve inúmeras mulheres e uma prole numerosa, infiel, porém conservador da família. O homem-Zeus gosta de estar no topo, de status, é inteligente, racional e estrategista, mas não intelectual. Apesar do sucesso com as mulheres, não é romântico nem apaixonado. É o homem mais aceito no patriarcado.

Poseidon – Deus dos mares, das emoções e dos instintos, costuma transbordar e  inundar:  Expressa-se com facilidade, pode ser tomado pela emoção e perder o controle.  Sua profundidade assusta pois pode trazer à tona  a beleza abissal ou os monstros da psique. As explosões ocorrem quando reprimidos. Se desiste de dominar, fica mais sensível, poético e empático. O homem-poseidon pode se afogar no álcool como fuga ou ser um canal que ajuda as pessoas a se expressarem.

Hades – Encontramos o deus do submundo, na depressão ou na morte: de um relacionamento, de um propósito, de uma esperança. É o reino do inconsciente pessoal e coletivo, que precisamos descer para juntar pedaços esquecidos, reprimidos ou até potenciais preciosos. O homem-Hades parece invisível, prefere o silêncio e a solidão, às vezes é celibatário. Atrai mulheres que ligam seu mundo interno e externo. Sua subjetividade o faz ser um bom conselheiro e tem dificuldades de se ajustar à produtividade.

Apolo – Deus do sol é a personificação do sucesso no Patriarcado. Observa e age à distância, sem envolvimento emocional. É exímio em alguma habilidade, como arco e flecha. Racional, gosta da ordem, de estar no mundo e mira o futuro. Realista e idealista gosta da autoridade das leis para se viver num mundo justo. O homem-Apolo é concentrado e aprecia a harmonia da música. Pode ter dificuldades com intimidade.

Hermes – Esse deus é rápido com asas nos pés, não esquenta lugar. Eloquente comunicador e também guia de jornadas espirituais e psicológicas, é um mensageiro entre mundos. Protetor dos viajantes e negociantes. Um homem-Hermes pode ser um diplomata ou traquinas. Estrategista, ajuda nas transições e transformações da vida, sendo alquimista por natureza. Encontros amorosos são fugazes, estão buscando sempre novas aventuras, como jovens eternos que não amadurecem.

Ares -  Deus guerreiro da força física e virilidade, ansiava por batalhas e derramamento de sangue. Passional, não perde uma briga principalmente se alguém querido foi atacado. O homem-Ares gosta da competitividade dos esportes. Apaixonado, entrega-se ao momento como amante. Dançarino de instinto agressivo, seu corpo é seu guia e sua impulsividade pode ser fraterna ou violenta. Necessita refletir sobre seus atos impensados.

Hefesto – Deus artesão e aleijado, da oficina, do fazer inventivo. Com seus pés tortos, criava objetos funcionais e forjava no fogo como meio de transmutar sua dor emocional.  Pacificador da família, Hefesto foi casado com Afrodite, a Deusa do amor, unindo trabalho e beleza. O homem-Hefesto se deixa absorver pelo trabalho e se torna altamente produtivo, porém isolado. A mulher o inspira e o leva a ter vida social.

Dioniso – Deus do êxtase, pode elevar o sentido da vida ao sagrado e também violá-la num surto de loucura. Místico e contra-cultural, o homem-dioniso pode ser ameaçador da rotina. Em sua transpessoalidade pode se tornar um sacerdote ou um homem conflituado em seus opostos. Como deus do vinho, busca sua transcendência com o perigo de se entorpecer.  Vincular-se e comprometer-se pode trazer um fio terra às suas experiências e sair da adolescência emocional.

A luz e a sombra de cada deus auxilia o homem a se conhecer e se superar. As mulheres podem perceber que tipo de homem estão atraindo e se querem mudar de padrão. Homens e mulheres cada vez mais vivem a integração do feminino e masculino dentro de si, reescrevendo uma história de amor e relacionamento mais integral com os deuses abençoando a nossa própria Humanidade.


 

 

 

 

 

 

               

quinta-feira, 6 de março de 2014

Somos todas Deusas ... Homenagem às mulheres


Somos todas Deusas

Homenagem às Mulheres
 
Diário de Teresópolis, 06 de março de 2014

Que mulher nunca sonhou ingenuamente com seu príncipe? Nunca maternou o filho, uma amiga aflita ou um parente adoentado? Que mulher nunca esbravejou e lutou por uma meta, ou não se deixou de lado para apoiar seu companheiro num momento difícil ou de vitória?  Que mulher nunca discutiu por justiça e igualdade ou silenciou para evitar um conflito e buscou dentro de si uma palavra sábia, apaziguadora? Que mulher nunca se cuidou num banho de espuma ou de salão e se entregou sem reservas a uma paixão?

Cuidar dos filhos, da casa, estudar, trabalhar, viajar, cozinhar, ter amigas, se cuidar, namorar e ainda se espiritualizar. Só deusas mesmo e elas existem povoando nossa psique. O arquétipo da Grande Mãe é melhor compreendido através das figuras personificadas em deusas, que ganham coloridos diferentes de cultura pra cultura. O panteão grego parece inspirar  bem as mulheres ocidentais.

Conta o mito que Atena nasce da cabeça de seu pai Zeus, que depois de engolir seus filhos - pois foi profetizado que um filho seu o destronaria - sentiu uma dor de cabeça e pediu para abrí-la. Atena nasce adulta armada e com armadura e torna-se aliada de seu pai. Mulheres –Atena são intelectuais, gostam de estudar e lutam por justiça, civilização e cultura. A palavra é sua espada e seu corpo a sua sombra. Com sua armadura-couraça, têm dificuldades de sentir.  Necessitam integrar mais seu emocional.

Deméter é a deusa-mãe que nos abençoa na gravidez, na criação dos filhos, no cuidado com a terra, a colheita, nos ciclos do corpo, das emoções, da natureza. Com ela nos engajamos na proteção ao planeta. Cuidamos do que é pequeno, do que cresce e necessita de cuidado. Mulheres muito identificadas com ela ficam sem rumo quando os filhos casam, viajam, ficam adultos. Com o ninho vazio tendem a deprimir e precisam arrumar outras motivações.

Perséfone,  filha de Deméter, casa-se com Hades, o rei do submundo que a sequestra tornando-a rainha. Deméter negocia com Hades para ficar seis meses (primavera-verão) com ela, devolvendo-a a ele na outra metade do ano(outono-inverno). Esse mito nos revela dois momentos do feminino: a ingênua filha, frágil e inexperiente, dependente da mãe, e a rainha do submundo, intuitiva  e conectada. Perséfone  aparece nas meninas e visita as mulheres maduras, que mergulham no inconsciente, as terapeutas que ligam os mundos. Podem ser mulheres que custam a crescer, saem da proteção da mãe para o marido e desconhecem seu poder pessoal.

Ártemis caçadora mira firme seu alvo na mata. Guerreira que usa seus instintos, nos ajuda reconectar com nossa natureza selvagem. Sobrevivência, espaço  vital, objetividade é ela quem nos auxilia a alcançar. Apolo, seu irmão é seu único companheiro, pois relacionamento amoroso não lhe atrai. Traz-nos fraternidade e coragem de ficar sozinha. Não é ela que precisamos quando queremos nos relacionar.

Afrodite é a deusa do amor e da beleza. Sabe se cuidar, se amar, se envolver e se entregar. Musa inspiradora de vários artistas, traz criatividade e arte. Exala sensualidade e nos prepara para viver um amor. Mas não necessariamente duradouro. Ela sabe sair de onde não existe amor e beleza. Ela nos ensina a auto-preservação, ajudando mulheres que sofrem de violência ou abuso. Mulheres-Afrodite  têm auto-estima, sabem conquistar e também se respeitar.

Hera é a deusa-esposa, casada com o todo poderoso Zeus, é a primeira dama que organiza a vida do marido. Acompanha-o em eventos sociais. Parceira fiel de seu companheiro não necessariamente fiel, é dedicada ao casamento que se torna sua razão de existir. Uma mulher necessita dessa energia para sustentar um relacionamento mesmo em momentos de crise.  Ciumenta, controla seu marido e se vinga de outras mulheres. Uma mulher-Hera que se separa pode ter uma crise de identidade, então prefere ficar infeliz, do que só.

Héstia é a Deusa-anciã, monástica. Muito honrada na antiga Grécia, aquecia os lares através do fogo sagrado central. Silenciosa e sábia, não está buscando um lugar no mundo, mas sim dentro dela. Ela aparece em mulheres mais velhas ou naqueles momentos de solidão e meditação. Pode nos ensinar muito quando paramos para escutá-la.

Temos um pouco de cada ou somos tomadas por uma, em um momento ou pela vida toda? Estão em conflito em nós ou se ajudam umas às outras? As deusas habitam a psicologia feminina. E os homens? Também as vivenciam, projetadas nas mulheres que se relacionam, seja mulher, amiga, amante, mãe, irmã ou avó. Vivemos os mitos ou os mitos vivem em nós? Dificíl responder. Mas, uma certeza temos, os mitos femininos podem ajudar a mulher a reverenciar sua própria sacralidade e de suas ancestrais.

Sílvia Rocha – Psicóloga