Valores Vitais
“Somente após a
última árvore ser cortada, o último rio ser envenenado, o último peixe ser
pescado...Somente então o homem descobrirá que o dinheiro não pode ser comido.”-
Provérbio Cree.
Estamos
vivendo uma das maiores crises de falta de abastecimento de água no Brasil, um
país com um dos maiores recursos hídricos do mundo. Não era para faltar. O ser
humano tem criado sua própria rede de não sustentabilidade no planeta por sua
visão obtusa da realidade e falta de pensamento sistêmico. Poluímos as águas, alimentos
são envenenados ou alterados em seu DNA (transgênicos) sem considerar o impacto
ambiental ou as consequências em nosso organismo, visando a alta produtividade.
Estamos nos poluindo, nos envenenando e adoecendo.
Remédios são
receitados a rodo sem considerar seus efeitos colaterais a longo prazo, de
dependência, quando poderia se conseguir uma cura através de uma boa
alimentação e mudança no estilo de vida. Dinheiro público é desviado
descaradamente deixando o povo sem assistência causando mortes, famílias sem
moradia, sem dignidade. Corrupção é crime hediondo já que deixa o povo morrer
de fome, aumenta a violência e não assiste à saúde.
O ser humano
civilizado se retirou do ciclo natural da vida. Sua relação com a vida não tem
sido de amor e carece de sentido. A ganância por poder e dinheiro, o Ter em
detrimento do Ser é o que tem mais se manifestado. O que guia esses
comportamentos são os valores que aprendemos desde cedo em família e na escola.
Ainda assim podemos escolher o que queremos e por isso precisamos sempre
refletir a cerca do que nos move, mesmo que seja diferente da maioria.
Mudando um
pouco o cenário. Aldeias indígenas, floresta amazônica, fui recebida com festa,
com dança, com som de taboca, com fartura de alimentos. Uma indígena me puxou
pelo braço depois de eu comer aqueles alimentos fresquinhos e me levou pra
rede. Tava cansada da viagem de canoa. Fiquei bastante agradecida com tanta
hospitalidade e generosidade. Ganhei muitos presentes. Quis retribuir, então
deixei tudo o que tinha levado de comida na roda do almoço. “Bora dividir?”
falou um deles, “Bora dividir”, respondi. Troquei meu relógio por artesanato.
Quem precisa ver hora na floresta? Fiquei vendo a posição do sol e sentindo meu
estômago para saber mais ou menos a hora. Desapegar-me do relógio me fez
relaxar bastante, e aquela pressão da pressa que vivemos se foi. Quanto mais ia
adentrando a floresta, mais ia deixando a cidade e seus valores para trás.
Segui viagem de canoa, a aldeia que ia parar
ficava ainda dois dias de viagem. E agora? Tinha dado todo meu estoque de biscoitos, frutas
secas, não tinha mais comida. Ia passar fome! O pajé do meu lado falou: sentir
um pouco de fome, fortalece! Não foi o que aconteceu, quando ia começar a
sentir, uma árvore carregada de goiabas apareceu. Saltamos e devoramos as
goiabas, mais pra frente, bananeiras, amendoim, mais casas com fartura de
alimentos, água límpida dos igarapés. Quando a natureza está intacta, ela
provê. Na próxima aldeia que paramos, tinha pego bastante sol na viagem, então
um pajé cantou e chamou a chuva, num instante o céu se encheu de nuvens e fez chover.
Refrescou. Eu vi com os meus próprios
olhos e não foi só uma vez.
Fui
apresentada à farmácia indígena, vários canteiros de ervas cuidados pelos
pajés. Testemunhei a vida em comunidade e a consciência ambiental. Quando
alguém pescava muito, dividia com outros e assim ninguém ficava sem. Conversei
com um caçador que me contou que não podia caçar sempre no mesmo lugar, pois
era preciso deixar os animais procriarem e ainda era preciso sentir qual animal
estava se oferecendo em sacrifício para ser caçado e alimentar o povo. Cantos
diversos eram entoados em vários momentos. Os cantos são as orações indígenas. Cantavam
em agradecimento ao alimento, ao algodão quando iam colher para fazer linha e
tecer. Cantavam para água, para o sol e toda a natureza e ser vivente. Cantavam
para o que é vivo, para a vida. Numa postura de humildade e reverência, com a
consciência de fazer parte de um Todo Maior. A espiritualidade aí como consciência
da totalidade e da interconexão.
É claro que
não só de amor e alegria vivem quem vive na natureza. Testemunhei uma morte de
uma mulher grávida que não teve como levá-la rio a baixo para o hospital do
município mais próximo. Hoje temos muitos recursos na medicina mas também
quando esta é acessível ao povo. Na floresta, quando o rio está baixo é difícil
navegar. Na cidade o acesso é difícil por outros motivos.
O indígena é
ser humano como todos e tem seus desafios de vida como qualquer um, erros e
dificuldades. A cultura indígena quando preservada pode nos ensinar a retornar
a esse valor humano e ecológico cuja dimensão nada mais é do que estar vivo.
O que eu quis trazer
aqui foi o que faz um indígena ter essa capacidade de dialogar com a natureza, por
exemplo chamando a chuva? O que percebi é que ele não se coloca separado da
natureza, ele é natureza. Como nós também, mas nos esquecemos disso. O alimento
natural que ele ingere, o poder confiar que o irmão não vai deixá-lo na mão e
que ele não está sozinho, isso faz com que
a qualidade de vida que ele tem seja superior e dinheiro nenhum compra.
Isso pode ser
ensinado nas escolas desde cedo para nossas crianças. Enquanto valores como
competitividade, poder, materialismo estiver sendo incentivado, continuaremos
nos afundando. Não adianta as crianças se prepararem para terem uma profissão
de sucesso se não saberemos por mais quanto tempo teremos um planeta para
viver.
O que faz
escolhermos os melhores valores, se chama consciência. E quando junto a ela se
soma a capacidade de agir, podemos mudar.
Sílvia Rocha
E nesse sistema capitalista em que vivemos o dinheiro, para alguns, existe como divindade. Para estes os recursos naturais são bobagens. Não sabem dá valor à natureza. Para os que tem dinheiro, tudo pode ser comprado.
ResponderExcluirNão! A verdade não é essa!
Na realidade devemos dar importância à natureza. Celebrar a natureza e fazer cada um a sua parte sem esperar nada em troca. Apenas dar. Ou doar.
No final das contas todos nós recebemos a bondade do resultado da boa intenção.