quarta-feira, 20 de maio de 2015

Tecnologia e Infância- Alerta aos pais


Tecnologia e infância

Alerta aos pais

“A televisão me deixou burro, muito burro de mais...”- Titãs

“A televisão leva o homem ao esquecimento e a perda de si mesmo...”- Adauto Novaes

                Cada vez mais estamos recebendo novas tecnologias dentro de casa, fazendo parte da rotina e da educação dos filhos. Antes era apenas a televisão que levantava polêmica quanto ao seu uso na infância. Hoje temos também tablets, celulares, internet e iPads que colocam em cheque nossa capacidade de educar e dar limites.

                Essas telinhas atraem os olhos dos pequenos que se sentem encantados e curiosos frente a um mundo de muitas possibilidades de imagens e desafios através de jogos e vídeos. E antes mesmo de aprenderem a ler e escrever, já sabem baixar jogos, com seus dedinhos deslizando na tela. Ao mesmo tempo que para os pais pode ser um descanso, deixando a criança quietinha e entretida, principalmente em viagens, restaurante ou durante algum afazer do adulto, pode também significar um grande perigo.   

                Devido ao pouco tempo no mercado, por volta de 5 anos, ainda não temos pesquisas suficientes a respeito das consequências dos usos de tablets nas crianças. Nossas crianças estão sendo cobaias. Mas já há indícios dos perigos ocasionados pelo excesso. A exposição excessiva à tecnologias já demonstram afetar negativamente o funcionamento cerebral e causar déficit de atenção, pensamentos acelerados, atrasos cognitivos, dificuldades na aprendizagem e na capacidade de controlar as emoções.

                O uso de tecnologias reduz os movimentos da criança, que ao invés de estar correndo, brincando, explorando o mundo a sua volta, conversando e interagindo, está parada mexendo apenas os olhos e os dedos. Isso pode acarretar um atraso no desenvolvimento levando a dificuldade na alfabetização e aprendizagem. Também estão sendo observados um aumento na obesidade infantil principalmente nas crianças que não tem limite de uso ou possuem computadores em seus quartos. Segundo Tremblay, algumas dessas crianças vão desenvolver diabetes, têm maior risco de acidente vascular cerebral e ataque cardíaco precoce, diminuindo a expectativa de vida.

            Privação do sono também acontece em crianças que ficam ligadas em telinhas até tarde da noite e por muitas horas, afetando seu desempenho escolar, pois na hora da aula estão com sono. Também está sendo pesquisada a relação do uso excessivo de tecnologias em crianças com doenças mentais infantis. Depressão, ansiedade, transtorno bipolar, psicose e outros transtornos podem ser ocasionados pelo seu uso não monitorado e a crescente medicalização das crianças pode ser evitada se o excesso de estímulos for controlado.

                Assistir à televisão principalmente programas muito acelerados, deixa os pensamentos inativos e retarda os pensamentos conscientes e a capacidade de fazer associações mentais, segundo pesquisas da neurociência. Deixa a criança desatenta, sonolenta em estado de semi-hipnose, facilitando com que os conteúdos sejam facilmente assimilados e por eles dominados. A formação de subjetividade e de valores morais está sendo feita pela televisão onde muito conteúdo que é transmitido poderia ser jogado no lixo. Comerciais abusivos e persuasivos, apelos ao consumo, programas violentos, de conteúdo sexual inapropriados a idade das crianças, levam as crianças a um desequilíbrio como agressividade e hiperatividade.

Estudos indicam que crianças abaixo de 2 anos devem ser mantidas longe de tecnologias, podendo ser nociva ao desenvolvimento da fala e da coordenação motora. Até mesmo se uma criança de até 2 anos estiver na sala, a TV deve ser desligada pois sua visão periférica que é maior do que a de um adulto capta muito mais os estímulos televisivos.

                De 2 a 4 anos é aconselhado o uso de DVDs que poupa as crianças dos comerciais e da futilidade de certos programas. Histórias vistas repetidamente, como a criança pede, estimula a criatividade e a fantasia tão saudável nessa época. Após 4 anos o contato com a  TV deve ser de até 45 minutos e um adulto assistindo junto para orientá-la, até os 6 anos de idade. Após os seis anos deve continuar a orientação e nunca permitir a exposição de conteúdos pornográficos ou violentos antes dos 18 anos. 

                Se possível recomenda-se o estímulo a leitura desde a mais tenra idade, o que estimula uma intensa atividade interior, formando seres humanos com mais capacidade de discernir, de pensar, de usar mais seus próprios potenciais. Adultos também viciados em tecnologia acabam criando dificuldades de vínculo com seus filhos, causando vários problemas psicológicos que vão perpetuar isso mundo afora: Humanidade em detrimento da tecnologia.

                O uso de tecnologias deve ser monitorado por adultos e ser permitido apenas de 1 a 2 horas diárias e se possível não a noite. A tecnologia pode ser um benefício à educação quando é controlada e guiada por adultos. Há filosofias como a Antroposófica e a Pedagogia Waldorf que descartam totalmente o uso de tecnologias em função de tirarem as crianças do seu mundo natural ocasionando consequências que ainda não sabemos.  Se isso for possível nos dias atuais é muito bom. Costumo aconselhar sempre o caminho do meio seguindo um filósofo que gosto muito: “Estar no mundo sem ser do mundo.” – Gurdjief. O caminho mais saudável parece ser o do equilíbrio de encontrar a medida de certos usos estando a favor da Humanidade.

               

Símbolos e Passagens


Símbolos e Passagens

“Nossa alienação moderna em relação ao mito não tem precedentes. No mundo pré-moderno, a mitologia era indispensável. Ela ajudava as pessoas a encontrar sentido em suas vidas, além de revelar regiões da mente humana que de outro modo permaneceriam inacessíveis. Era uma forma inicial de psicologia. As histórias de deuses e heróis que descem às profundezas da  terra, lutando contra  monstros e atravessando labirintos, trouxeram à luz os mecanismos misteriosos da psique, mostrando às pessoas como lidar com suas crises íntimas.” (...)“A mitologia foi, portanto, criada para nos auxiliar a lidar com as dificuldades humanas mais problemáticas. Ela ajudou as pessoas a encontrarem seu lugar no mundo e sua verdadeira orientação.” (ARMSTRONG, K)

                A Páscoa para os judeus (Pessach em hebraico - passar além) representa a passagem da escravidão dos hebreus no Egito para a conquista da liberdade e o retorno à uma vida digna. Liderado por Moisés atravessam o Mar Vermelho e o deserto. Esse momento coincidiu com o início da primavera, no hemisfério norte, então a renovação da natureza ficou sendo celebrada  junto com o renascimento de Israel.

                Já para os católicos, a ressurreição de Cristo marca a passagem para um novo tempo de mais esperança: Sexta-feira a morte de Cristo, sábado de aleluia e domingo de ressurreição compõem a Semana Santa. Não pode haver renascimento sem antes ter havido uma morte. A vida e a morte de Jesus é para a Psicologia Junguiana o símbolo do processo de individuação a qual todos podemos passar. Jesus é o homem divino, como todos nós em algum momento de nossas vidas podemos despertar para a dividade, não sem antes passarmos por alguma morte simbólica de personalidades falsas a que nos submetemos. A morte de uma vida guiada pelo ego, e o renascimento de uma vida guiada pelo Self, ou Totalidade.

                Em cada cultura, existem rituais e mitos que dão sentido às passagens da vida, repleto de símbolos que ajudam a passar de um estado a outro. Aqui a palavra mito não tem a ver com algo que não existe, como quando falamos: “Ah isso é mito’! Ou como se fosse uma mentira ou uma pessoa famosa que vira um ícone, dizemos que virou um mito. Os mitos vivem em nós e nos animam. Usamos aqui a palavra mito como a estória dos antigos, expressão da fantasia humana e ao mesmo tempo um evento que ocorreu e que continua acontecendo. Não é história, pois é atemporal. O mito é fictício e ao mesmo tempo real, na medida que continua nos influenciando e nos preenchendo de significados e dando um sentido a nossa vidas.

                Alguns símbolos da Páscoa que vivenciamos muito fortemente perderam seu significado mais uma vez para o consumismo. Os ovos de chocolate trazidos pelo coelhinho hoje carregados de embalagens coloridas e super heróis ou princesas com brinquedinho dentro, tornou-se o maior objetivo da Páscoa.

                Os ovos significam o começo da vida, o coelho, a fertilidade, a possibilidade de muitos nascimentos. E porque eles vieram representar a Páscoa? Conta um mito nórdico que os Deuses antigamente viviam na Terra e entre eles Ostara, uma linda jovem cheia de vida. Era a própria representação da donzela que por onde passa faz tudo florescer. Um dia, com saudades da lua, ela volta para sua antiga morada deixando tudo na Terra sem vida. Ela adorava a natureza e os animais, e quem mais sentia sua falta era uma lebre que aprendeu a uivar como os lobos para suplicar que Ostara  voltasse. Ostara quando viu o esforço que a lebre fazia, ficou comovida e voltou a Terra fazendo tudo florir novamente. Tornou a lebre, a guardiã e distribuidora dos ovos do nascimento que garantiam a continuidade da vida. E concedeu um dom a ela, de se transformar em pássaro para ir chamá-la na lua quando fosse a hora de voltar. Diz-se que quando a Deusa vai pra lua é outono e quando volta é a primavera.

                No hemisfério norte a Páscoa se dá na primavera, aqui repetimos o sincretismo criado pelo Rei Constantino que fusionou alguns símbolos pagãos aos rituais cristãos.

                E você? Que passagem gostaria de atravessar? Para uma vida mais livre e digna como os hebreus? Renascer para uma vida mais espiritual como Cristo? Qual parte de sua vida gostaria de fertilizar como a lebre de Ostara? Reflexões de passagens, aproveitando os ritos já estabelecidos!  No desejo e esperança que junto com os kilos a mais dos chocolates, também venham conquistas em direção aos anseios de sua alma. Feliz Páscoa!

Sílvia Rocha – Psicóloga Transpessoal junguiana (crp: 05/21756), Arteterapeuta, Consteladora familiar sistêmica

Contato: silviaayani@gmail.com e blog: www.silviarenatarocha.blogspot.com.br

 

               

           

quarta-feira, 1 de abril de 2015

No meio tempo


No meio tempo

“No meio do caminho tinha uma pedra,

No meio da pedra, um caminho.”

 

                A crise da meia idade é um momento que todos chegam, mas nem todos aproveitam. É um  momento de olhar o passado e a história criada, de perceber o caminho que fora trilhado, os ganhos as perdas, as conquistas e o que ainda não fora realizado. E também de olhar pro futuro e pra finitude da vida. É um momento mais psicológico do que cronológico. Não existe data certa para acontecer. Pode ser incitado por uma crise real, uma doença, uma perda, uma separação, uma depressão.

                Os motivos podem ser diferentes, mas todos eles despertam a consciência para o sentido maior da existência, onde não cabem mais desculpas para adiamento de coisas importantes ou justificativas para problemas que se repetem. Encarar a vida como um eterno problema criado por outros ou se fazer de vítima não cabe mais naqueles que já se interiorizaram e assumiram a responsabilidade pessoal de suas vidas.

                Papéis são assumidos, defesas são construídas desde a mais tenra infância pela aprendizagem destes através da observação dos pais. Como eles lidam com a vida vai moldar estratégias na criança desde cedo. Uma mãe muito ansiosa com a vida, vai ensinar que a vida precisa ser temida e controlada. Mesmo que a filha desta mãe, tenha uma vida calma e tranquila, já adulta vai sentir a ansiedade que aprendera em sua infância. Uma mulher frustrada em seus relacionamentos íntimos com homens, pode ter sentido na infância uma indisponibilidade do pai para com que ela, fazendo-a acreditar que não é merecedora de atenção. Feridas não curadas são determinantes para construir uma personalidade adulta pouco espontânea ou madura.

                O sofrimento vivido na infância vai forjar a personalidade adulta defendida, um reflexo dos  traumas. Na meia idade essa falsa personalidade construída a partir de dores e mazelas vai ser colocada em cheque. A verdadeira essência, Self ou Si Mesmo quer aparecer, cansada de estar encoberta por máscaras que foram necessárias por um tempo, mas que pedem por atualização. Será mesmo que é preciso continuar se defendendo? Será mesmo necessário continuar atuando em papéis que não condizem com seu real Ser?

                Essa crise da meia idade vem provocar a pessoa para ela se descobrir, quem ela realmente é além de sua história, além dos papéis interpretados?

Um adulto que quando criança tomou uma decisão de agradar seus pais seguindo seus caminhos, pode ter tido o alto custo de perder sua própria alma. Um filho que lutou a vida toda para preservar os negócios do pai, sacrificando sua alma de artista, pode deprimir diante da falta de sentido de sua vida para ele mesmo.

Questões evitadas, colocadas em baixo do tapete, mantidas inconscientes, numa crise de meia idade vem com força total. O tema da identidade se apresenta forte e importante, quem sou eu e para onde vou? O que foi feito até agora e o que deixei de fazer?

Pessoas que construíram uma carreira, tiveram o foco em bens materiais, investiram sua energia em se estruturar financeiramente, depois da meia idade passam a se interessar por questões filosófica e espirituais. Já quem tenha se dedicado a um caminho espiritual, pode sentir falta de construir agora na matéria, a sua evolução. Aqueles que se desenvolveram intelectualmente graduando-se cada ano mais, pode querer desenvolver seu lado mais emocional, expandindo sua relações afetivas. Quem se dedicou ao coletivo, pode sentir falta de estar mais em família e quem teve cedo sua própria família pode querer expandir seu território afetivo para questões mais sociais e coletivas.

Esse momento como toda crise pode vir acompanhado de sintomas, e cabe a cada um poder entender o que cada sintoma está querendo dizer. Aqueles que já costumam refletir e meditar talvez nem precisem fazer sintomas para provocar uma parada em sua vida. A sinceridade consigo mesmo é o mais recomendado, e isso pode significar ir contra todo um ambiente já consolidado e esperado. O sistema pede coisas que vai contra a verdadeira essência. Questionar sem pressa de responder, esperar que os sinais apareçam do mais íntimo de seu ser, é maturidade. Talvez nessa fase, algumas coisas precisem morrer, para que outras mais verdadeiras possam nascer. Se uma crise vem carregada de anseios, dúvidas e dificuldades, passar por ela, pode ser a salvação para uma vida mais digna. Porque é nas próprias dificuldades que estão as respostas. É preciso coragem para se entregar a esse processo que não é fácil mas pode significar renascimento para uma vida mais iluminada. E daí a crise passa a ser bem vinda e abençoada

Sílvia Rocha

Meus pais se separaram, e agora?

Meus pais se separaram, e agora?
Por mais que se saiba que quando um casal com filhos se separa, continua sendo pais, não é assim que os filhos ou os próprios pais podem sentir. O assunto é vasto e cada caso é único, mas vale tecer algumas considerações diante das dificuldades encontradas pelos pais, que tenho observado em minha prática clínica.
O foco aqui é na saúde mental da criança, que pode viver essa passagem da vida de forma saudável ou traumática. E isso tem muito a ver em como os pais conduzem a separação e como se comunicam com os filhos a respeito dela. É uma bobagem achar que uma criança por mais nova que ela seja não perceba o que está acontecendo. Inclusive quanto mais nova, ainda bebê, ela ainda não tem um ego estruturado e pode captar muito mais inconscientemente. Por isso autores como a psicanalista Francoise Dolto, insistem na comunicação oral desde cedo.
Na barriga da mãe, o nenen ouve as vozes daqueles que esperam sua chegada. Principalmente a voz do pai, e é a partir daí, que esse lugar do pai fica marcado em sua psique. Mais ainda se a mãe se refere a ele afetivamente. Até um ano de idade o nenen está muito amparado pela mãe, a amamentação é um dos fatores que colabora para isso. Tão melhor se chega até 2 anos de idade. Para o pai entrar, é preciso uma permissão da mãe. Há mães que querem o nenen só pra si, alienando o pai ou outros familiares. É muito importante pra criança que os vínculos sejam feitos desde cedo. Patologias podem se dar, devido a essa simbiose doentia com a mãe.
Esses vínculos com os filhos também não dependem do casal estar junto. Os pais estão juntos no interior da criança. Por isso que falar mal de um, é magoar e enfraquecer a própria criança. É lamentável observar como os pais usam os filhos para manipular o outro, causando mais mal no filho do que em qualquer outra pessoa.
Não é preciso estar separada para uma mãe fazer uma alienação parental. E vice versa. Um cônjuge falar mal do outro para o filho já é o bastante para fazer um estrago. Porque um filho é feito da união de pai e mãe. Ele é metade pai e metade mãe. E dessa união ele vai fazer algo único e original, vai ser ele mesmo.
As crianças devem ser preservadas dos problemas de adultos, mas devem ser informadas de uma decisão como a separação. Esse assunto concerne a ela também, saber que um dos pais irá sair de casa, que a rotina irá mudar. Rotina dá segurança à criança. Por isso é normal que sentimentos de insegurança apareçam até que a nova configuração se estabeleça. E é na escola que os sintomas costumam aparecer.
Uma união é tão legítima como uma separação., mas a separação parece não ser tão aceita quanto a união. Já foi mais tabu, hoje mais corriqueira, mas ainda não tão bem elaborada. E daí ocorrem os não ditos, as desonestidades para com o cônjuge ou os filhos. Melhor seria se a verdade transparecesse, pois podemos lidar melhor com o que está claro. E o que torna um assunto difícil são os sentimentos de culpa, a negação, a ilusão, o não querer admitir um fracasso que pode estar associado com uma falta de humildade.
O silêncio em torno da separação torna o assunto algo “sujo” ou sombrio para a criança. O falar sobre e permitir que sentimentos sejam expressos é o caminho mais saudável. Se esse espaço não existe, a criança tende a fantasiar e achar que tudo é sua culpa. Até seis ou sete anos a criança é egocêntrica e tende a achar que tudo é por sua causa.
Assumir a humanidade diante dos filhos é muito aconselhável. Falar de suas dificuldades sem fazer uma catarse, o que viria a despejar um peso muito grande em cima dele. Normalmente os filhos já estão percebendo os desentendimentos, as brigas ou o distanciamento e o silêncio entre os seus pais. Só que é difícil assumir, tanto os próprios pais quanto o filho que o casamento acabou.
Os pais confusos e cheios de sentimentos reprimidos precisam buscar uma ajuda de uma outra pessoa, seja amigo, terapeuta, parente. Só poderão compartilhar com os filhos da separação, quando esta já está mais elaborada e integrada dentro de pelo menos um dos cônjuges. Separar-se sem avisar nada aos filhos, é o que pode trazer mais trauma para a criança. É como se ela não fizesse parte, é como se ela não fosse considerada. É preciso dar espaço para todo e qualquer sentimento e suas expressões.
Tentar evitar que os filhos sofram é compreensível, pois a dor dos filhos dói muito mais nos pais. Mas também dar oportunidade de viver a dor é fazê-la passar e não se transformar em sofrimento, como toda dor vivida, passa. O casal também pode escolher viver junto mesmo que já não haja um relacionamento de casal. Mas é isso que vão ensinar aos filhos. Crianças aprendem muito mais por modelos. Se eles testemunham a verdade, o amor, a honestidade é isso que vão aprender. O melhor que os pais podem dar aos seus filhos é eles próprios serem felizes.
Uma separação honesta pode dar aos filhos condições de se estruturarem e aprenderem a serem fortes diante das perdas e das mudanças da vida. Toda mudança implica em perdas mas também em novos ganhos. Crescimento e maturidade leva tempo e vivência para ser adquirida e o fruto colhido só pode ser o da felicidade.
Sílvia Rocha – Psicóloga Transpessoal Junguiana, crp:05/21756
Arteterapeuta e consteladora familiar sistêmica

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Valores Vitais


Valores Vitais

“Somente após a última árvore ser cortada, o último rio ser envenenado, o último peixe ser pescado...Somente então o homem descobrirá que o dinheiro não pode ser comido.”- Provérbio Cree.

Estamos vivendo uma das maiores crises de falta de abastecimento de água no Brasil, um país com um dos maiores recursos hídricos do mundo. Não era para faltar. O ser humano tem criado sua própria rede de não sustentabilidade no planeta por sua visão obtusa da realidade e falta de pensamento sistêmico. Poluímos as águas, alimentos são envenenados ou alterados em seu DNA (transgênicos) sem considerar o impacto ambiental ou as consequências em nosso organismo, visando a alta produtividade. Estamos nos poluindo, nos envenenando e adoecendo.

Remédios são receitados a rodo sem considerar seus efeitos colaterais a longo prazo, de dependência, quando poderia se conseguir uma cura através de uma boa alimentação e mudança no estilo de vida. Dinheiro público é desviado descaradamente deixando o povo sem assistência causando mortes, famílias sem moradia, sem dignidade. Corrupção é crime hediondo já que deixa o povo morrer de fome, aumenta a violência e não assiste à saúde.

O ser humano civilizado se retirou do ciclo natural da vida. Sua relação com a vida não tem sido de amor e carece de sentido. A ganância por poder e dinheiro, o Ter em detrimento do Ser é o que tem mais se manifestado. O que guia esses comportamentos são os valores que aprendemos desde cedo em família e na escola. Ainda assim podemos escolher o que queremos e por isso precisamos sempre refletir a cerca do que nos move, mesmo que seja diferente da maioria.

Mudando um pouco o cenário. Aldeias indígenas, floresta amazônica, fui recebida com festa, com dança, com som de taboca, com fartura de alimentos. Uma indígena me puxou pelo braço depois de eu comer aqueles alimentos fresquinhos e me levou pra rede. Tava cansada da viagem de canoa. Fiquei bastante agradecida com tanta hospitalidade e generosidade. Ganhei muitos presentes. Quis retribuir, então deixei tudo o que tinha levado de comida na roda do almoço. “Bora dividir?” falou um deles, “Bora dividir”, respondi. Troquei meu relógio por artesanato. Quem precisa ver hora na floresta? Fiquei vendo a posição do sol e sentindo meu estômago para saber mais ou menos a hora. Desapegar-me do relógio me fez relaxar bastante, e aquela pressão da pressa que vivemos se foi. Quanto mais ia adentrando a floresta, mais ia deixando a cidade e seus valores para trás.

 Segui viagem de canoa, a aldeia que ia parar ficava ainda dois dias de viagem. E agora?  Tinha dado todo meu estoque de biscoitos, frutas secas, não tinha mais comida. Ia passar fome! O pajé do meu lado falou: sentir um pouco de fome, fortalece! Não foi o que aconteceu, quando ia começar a sentir, uma árvore carregada de goiabas apareceu. Saltamos e devoramos as goiabas, mais pra frente, bananeiras, amendoim, mais casas com fartura de alimentos, água límpida dos igarapés. Quando a natureza está intacta, ela provê. Na próxima aldeia que paramos, tinha pego bastante sol na viagem, então um pajé cantou e chamou a chuva, num instante o céu se encheu de nuvens e fez chover.  Refrescou. Eu vi com os meus próprios olhos e não foi só uma vez.

Fui apresentada à farmácia indígena, vários canteiros de ervas cuidados pelos pajés. Testemunhei a vida em comunidade e a consciência ambiental. Quando alguém pescava muito, dividia com outros e assim ninguém ficava sem. Conversei com um caçador que me contou que não podia caçar sempre no mesmo lugar, pois era preciso deixar os animais procriarem e ainda era preciso sentir qual animal estava se oferecendo em sacrifício para ser caçado e alimentar o povo. Cantos diversos eram entoados em vários momentos. Os cantos são as orações indígenas. Cantavam em agradecimento ao alimento, ao algodão quando iam colher para fazer linha e tecer. Cantavam para água, para o sol e toda a natureza e ser vivente. Cantavam para o que é vivo, para a vida. Numa postura de humildade e reverência, com a consciência de fazer parte de um Todo Maior. A espiritualidade aí como consciência da totalidade e da interconexão.

É claro que não só de amor e alegria vivem quem vive na natureza. Testemunhei uma morte de uma mulher grávida que não teve como levá-la rio a baixo para o hospital do município mais próximo. Hoje temos muitos recursos na medicina mas também quando esta é acessível ao povo. Na floresta, quando o rio está baixo é difícil navegar. Na cidade o acesso é difícil por outros motivos.

O indígena é ser humano como todos e tem seus desafios de vida como qualquer um, erros e dificuldades. A cultura indígena quando preservada pode nos ensinar a retornar a esse valor humano e ecológico cuja dimensão nada mais é do que estar vivo.

O que eu quis trazer aqui foi o que faz um indígena ter essa capacidade de dialogar com a natureza, por exemplo chamando a chuva? O que percebi é que ele não se coloca separado da natureza, ele é natureza. Como nós também, mas nos esquecemos disso. O alimento natural que ele ingere, o poder confiar que o irmão não vai deixá-lo na mão e que ele não está sozinho, isso faz com que  a qualidade de vida que ele tem seja superior e dinheiro nenhum compra.

Isso pode ser ensinado nas escolas desde cedo para nossas crianças. Enquanto valores como competitividade, poder, materialismo estiver sendo incentivado, continuaremos nos afundando. Não adianta as crianças se prepararem para terem uma profissão de sucesso se não saberemos por mais quanto tempo teremos um planeta para viver.

O que faz escolhermos os melhores valores, se chama consciência. E quando junto a ela se soma a capacidade de agir, podemos mudar.

Sílvia Rocha

 

 

 

 

 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Roda de Cura, roda da vida


Roda de cura, roda da vida

A roda roda, o mundo gira...

 

                A Psicologia transpessoal faz associações do que há de mais atual na ciência com o que há de mais antigo na humanidade em termos de tradições de conhecimento. No estudo e prática do Xamanismo, primeiro sistema de cura da Humanidade realizada por Xamãs ( Pajés aqui no Brasil) ao redor de todo o mundo,  encontramos associações com a Psicologia. Alguns dizem, segundo Robin Grass que o Xamanismo “é a mais antiga forma de cura do planeta, datando de aproximadamente 3000 anos. Tem sido encontrada em muitas culturas indígenas na América do norte e do sul, Austrália, Nova Zelândia, Noroeste e sul da Ásia, leste e norte da Europa e África. As técnicas usadas ultrapassaram o teste do tempo e são incrivelmente similares ao redor do mundo, apesar das diferenças culturais e geográficas dentre aqueles que praticam esta modalidade de cura.”

 Um dos exemplos desse encontro de práticas antigas com a psicologia moderna, é o do Mito da Roda de Cura dos povos nativos norte americanos. Para Mircea Eliade, o mito é real, é uma história sagrada portanto, verdadeira pois aponta para realidades. O mito é uma narrativa que concerne a um povo, um grupo cultural e que norteia e transforma a condição humana. Diferente de contos e fábulas que servem para entreter, os mitos ensinam as histórias primordiais e organizam uma sociedade. Os simbolismos contidos no mito nos dão pistas de como enxergar uma saída para desafios da vida.

Na roda de cura, podemos visualizar um “X” separando em 4 quadrantes iguais o círculo. Cada parte deste “X” corresponde a um ponto cardeal. A parte Leste da roda está relacionada a novos começos, o sol nasce no leste e com ele a iluminação de um novo dia. A estação do ano correspondente é a primavera e o simbolismo do florescimento e nascimento. É como se tivéssemos nascendo nessa direção da roda, ainda crianças desvelando o mundo com o olhar da novidade. A cor é a amarela que nos lembra a luz dourada do sol e o fogo criador. Segundo a anciã do Povo Ojibwe Lilian Pitawanakwat, “cada um de nós carrega um fogo dentro. Seja através do conhecimento que temos, ou através de nossas experiências ou associações, somos responsáveis por manter esse fogo aceso. E como uma criança, quando meu pai ou mãe  diriam, no final do dia – minha filha como está queimando seu fogo hoje?   Isso me faz pensar em como passei meu dia – Se fui ofensiva com alguém, ou se alguém me ofendeu. Essa reflexão tem muito a ver em como nutro meu fogo interior. Então somos ensinados desde muito novos em deixar qualquer distração do dia e fazer as pazes conosco, então podemos nutrir e manter nosso fogo.”

Esse fogo também nos lembra de nossa parte espiritual, a centelha divina que somos. O animal correspondente é a águia que voa mais alto e possui visão de cima. Ela nos ensina a nos distanciar das questões para ver de outro ângulo, menos envolvido e emocionado e com mais intuição. Podemos intuir uma visão e missão de vida e traçar um “plano de vôo.”

Na direção sul da roda de cura, encontramos o jovem guerreiro cujo desafio são suas próprias águas de suas emoções. Ter auto-domínio, saber fazer suas escolhas, reconhecer sua identidade e individualidade. Em pleno verão, o sol a pino, o vigor e capacidades do jovem podem ficar obscurecidos se ele não se atentar a equilibrar suas polaridades. O coiote, trapaceiro e brincalhão é o animal desta direção, que vem dar uma rasteira a quem está sério demais. Aprender a rir de si mesmo e de suas quedas é a maior lição. Desenvolver projetos de vida, sustentar os sonhos. A cor dessa direção é a vermelha da realização.

Na direção oeste é a meia idade e seus conflitos, alternando entre maturidade e crise. É o sol se pondo, é a caverna do urso. Em oposição a luz do leste, o oeste nos convida a um mergulho em nosso interior, a uma introvisão. Nessa fase podemos refletir sobre tudo o que realizamos e o que não foi realizado. É possível abraçar as sombras e lamber as feridas. A cor é o preto e o elemento é a terra que nos convida ao silêncio e à meditação. A estação o outono, tempo de liberar as folhas secas, o que está velho e desgastado, de cuidar do corpo.

Na direção norte, encontramos não só a sabedoria da velhice, mas as heranças dos ancestrais.  Em oposição ao sul, o norte nos lembra do coletivo e da importância da comunidade em nossas vidas. O animal é o búfalo, símbolo da abundância e prosperidade.  E a cor é o branco do inverno. É o tempo de nos lembrar das bênçãos e presentes que recebemos ao longo da vida, de contar histórias e compartilhar memórias, ventos e pensamentos. E sobretudo, agradecer.

A roda de cura nos lembra em viver em harmonia com os quatro tempos, os quatro elementos. Importante é pensar em nossas vidas sob os aspectos espiritual, emocional, físico e mental.  Podemos estar em qualquer ponto da roda em qualquer idade. Por mais que estejamos no verão podemos estar na caverna, hibernando como o urso, meditando a espera de um novo momento. Podemos viver as quatro direções num mesmo dia. Pode ser  um guia psicológico útil para nossa jornada na vida.
Sílvia Rocha

Vínculos Invisiveis


Vínculos Invisíveis

“Enquanto trabalhava em minha árvore genealógica, compreendi a estranha comunhão de destinos que me ligava aos meus antepassados. Tenho a forte impressão de estar sob a influência de coisas e problemas que foram deixados incompletos e sem resposta por parte de meus pais, meus avós e outros antepassados.” C. G. Jung

 

                Um casal já havia se casado há anos, mas não moravam juntos. O homem só arrumava trabalho em outro estado, o que o tirava de sua convivência familiar. Sempre que era questionado sobre procurar um trabalho na mesma cidade que sua mulher, este dizia que não existia e que não adiantava procurar. Aconteceu na infância desse homem, uma doença na família. Seu pai teve uma tuberculose grave fazendo-o ficar internado e sem possibilidade de contato com sua mulher e filhos sob risco de contágios. 

                Uma mulher talentosa por mais que trabalhasse, não conseguia ver a cor do dinheiro. Se estivesse próxima ao sucesso arrumava um jeito de se boicotar e perdia tudo que conquistara. Num exame de sua ancestralidade contou que duas avós haviam sido escravizadas, com perda de sua liberdade, sem receber qualquer remuneração ou reconhecimento por seu trabalho.

                Um homem com dificuldades de falar em público, perdeu seu avô que era militar, quando este ensinava seus alunos a desarmar uma bomba. Teve seu pescoço destroçado.

                Uma moça que não conseguia se aproximar de sua filha que morava com o pai, em sua infância passou anos morando em outro estado na casa dos avós, longe de sua mãe devido a problemas financeiros de sua mãe.

                Um rapaz que sempre se metia em confusão e brigas, sentia-se indignado com desejos de vingança e sem saber o porquê, teve em sua ancestralidade, parentes mortos em campos de concentração nazista.

                Uma mulher que queria se casar, mas não conseguia, levantou em sua pesquisa biográfica 3 tias que morreram solteiras.

                Vínculos invisíveis são exemplificados nessas historias acima.  Comportamentos e até sentimentos que se repetem inconscientemente como forma de lealdade ao sistema familiar a que pertence. Assuntos pendentes, questões que não foram resolvidas, pessoas que foram excluídas ou não foram homenageadas ou honradas devidamente acabam influenciando as gerações seguintes.

                Os povos nativos já sabiam disso e acrescentam que sete gerações antecessoras nos influenciam e nós iremos influenciar sete seguintes. O biólogo inglês Rupert Sheldrake, estudou esse campo dotado de saber e o nomeou campos mórficos. Trata-se de uma totalidade abrangente, um campo perceptual disponível, mas muitas vezes inconsciente. “Toda estrutura, seja uma organização, um organismo ou um sistema vive num campo mórfico que atua como uma memória onde estão armazenadas todas as informações importantes do sistema. Portanto, todos os elementos individuais como partes do todo estão em ressonância com o todo. Cada parte dessa estrutura, portanto, cada membro desse sistema ou cada indivíduo de uma organização participa do conhecimento sobre o todo e de todos os acontecimentos importantes. Nesse sentido, a memória não é observada como uma função ou uma conquista pessoal de nosso cérebro, mas como um “campo de memória”, no qual nos movimentamos como um rádio, no meio das ondas radiofônicas. (FRANKE)

                Sheldrake diz que é mais fácil perceber a existência desse campo, quando sentimos que alguém está nos olhando por trás e então nos viramos para olhar na mesma hora. Estamos mergulhados em campos de energia que se comunicam através de ressonância, a que ele chamou de ressonância mórfica, assim informações podem ser veiculadas entre campos para além do espaço e do tempo como ondas de um celular.

                                Na terapia familiar sistêmica, pode-se acessar esses campos através de técnicas terapêuticas como a constelação familiar sistêmica criada pelo alemão Bert Hellinger. Num trabalho de grupo colocam-se pessoas para representar os parentes do cliente. “É surpreendente como os representantes conectam-se com este campo de força trazendo o conhecimento e a realidade da família sem nem ao menos terem algum conhecimento prévio da família. Alguns representantes chegam a sentir sintomas físicos da pessoa que está representando.” (Hellinger)

                Quando esses vínculos invisíveis tornam-se claros, é possível transformar a homenagem inconsciente feita através da repetição de padrão comportamental em homenagem mais consciente, sendo assim desnecessário continuar com aquele comportamento, libertando e possibilitando novas escolhas de vida. É interessante como pessoas que possuem valores éticos acabam por serem impelidas a cometerem ações contra esses valores, movidas por uma carga energética de seus antepassados. Hellinger costuma falar que “em família de ladrão, quem não rouba se sente culpado”. E para se sentir pertencendo ao sistema familiar precisa repetí-lo. Outras pessoas acabam por trair seus parceiros para homenagear ancestrais que fizeram o mesmo.  É muito forte o magnetismo do campo familiar. Nas culturas nativas e também na cultura oriental é comum fazer reverência e homenagens aos ancestrais. São deles que vem a força de vida.

Para reestruturar um sistema que está com esses emaranhamentos e repetições, Hellinger criou frases e gestos-rituais para poder a pessoa “se soltar” desses vínculos invisíveis. Todas elas em síntese remetem à gratidão pela vida dada pelos ancestrais e em gestos como se curvar com muito respeito e em homenagem.

                Pequenos gestos que promovem uma cura, uma reconciliação entre pessoas da família e libertam descendentes de repetirem destinos difíceis. Reverenciar ancestrais nos permite perceber que a vida vem de muito longe e o quanto ela é querida e sagrada, merece ser bem vivida e se fazer algo de bom, enquanto estiver em nossas mãos.

Sílvia Rocha – Psicóloga Transpessoal Junguiana, crp:05/21756

Arteterapeuta e consteladora familiar sistêmica