terça-feira, 16 de setembro de 2014

Quem é o psicopata?




Quem é o Psicopata?


“Uma noite, um velho índio falou ao seu neto sobre o combate que acontece dentro das pessoas.
Ele disse:
– A batalha é entre os dois lobos que vivem dentro de todos nós. Um é Mau. O outro é Bom.

O neto pensou nessa luta e perguntou ao avô:
– Qual lobo vence?
O velho índio respondeu:
– Aquele que você alimenta!”

Um homem ou uma mulher, muito inteligente, e muito bem sucedido (a), sedutor (a) e manipulativo (a), que consegue o que quer sem culpa e nem pena de passar por cima do outro. Pode ser cruel e matar se preciso for para alcançar seus objetivos. Matar pode ser inclusive o objetivo. Mas não só os assassinos são psicopatas, muitos nem chegam a matar  e estão circulando entre nós. Muito comum achá-los em grandes empresas e na política. Segundo Guggenbuhl-Craig, analista junguiano, “O psicopata pode ser mais bem sucedido que os normais porque não está preso em neuroses e culpas”.

Numa entrevista de emprego, cativa, demonstrando segurança e charme. Já empregado, associa-se a pessoas influentes como meio de conseguir ascensão profissional. Disfarçados de amigos, podem semear desconfiança falando mal de pessoas, fazendo intrigas com habilidade e requinte. Descartam pessoas comose fosse uma coisa, caso este não sirva mais para seus intentos. Já numa posição mais elevada, exploram pessoas humilhando-as, desde que se mantenham no poder, podem se utilizar de meios perigosos e ardilosos.

Psicopatia ou Transtorno de Personalidade Antissocial, segundo o CID_10 (código internacional de doenças, código da OMS atualizado), é agrupado na classificação da Personalidade Dissocial, que inclui transtorno de personalidade amoral,  anti-social, associal, psicopática e sócio-pática. Dentre os principais sintomas estão: o desprezo por normas sociais, baixa tolerância à frustração, baixo limiar de descarga da agressividade, racionalização para culpar outros e se justificar perante  sucessivos conflitos com a sociedade. Os limites e regras são mal tolerados.

Sua grande capacidade de sedução passa por dizer o que é conveniente, podendo se tornar a pessoa que o outro gostaria que ele fosse. Mente, sem ter consciência da mentira, pois para ele verdade é o que ele fala. Muito charmoso e impulsivo, porém com emoções superficiais, mas podem dar um show de drama se for preciso, sem conexão real com o sentimento. Podem até incitar pena  como forma de manipulação. Não aprendem com punições pois não se sentem culpados e nem merecedores de castigo. Não tem compaixão e nem tem capacidade de amar. Sem problemas com a sexualidade estão sempre disponíveis e com ótimo desempenho sexual, porém não se conectam afetivamente com ninguém. Confundem excitação sexual com amor. Podem ser sádicos e agressivos no ato sexual se encontram pessoas masoquistas. Quem se relaciona intimamente com um psicopata, está no fundo evitando o amor.

A psicopatia não tem causa e nem tem cura, não adianta querer salvar ou ajudar um psicopata. Ele está completamente só.  Uma criança que fora violentada ou abusada sexualmente muito nova pode desenvolver uma neurose grave ou psicose, a psicopatia não é desenvolvida, o sujeito nasce assim e não tem jeito. É mesmo uma tragédia! Alguns psicopatas podem até cometer suicídio devido a tanta falta de sentido para a vida

Todos nós temos todas as patologias dentro de nós, nem que seja um pequeno traço.  E cada um tem um lado psicopata, uns mais, outros menos. Não precisa ser um Serial Killer para se dar conta da psicopatia interior. É preciso olhar para este lado que ri quando o outro cai, que se aproveita da infelicidade do outro, que conta vantagem ou que é incapaz de ter empatia passando por cima do outro. A incapacidade de ver o outro em suas necessidades, desejos ou medos e de usá-lo para benefício próprio é um traço psicopático. Tentar aniquiliar este lado é quase inútil, a inconsciência é o maior perigo. Dar-se conta deste lado sombrio é tê-lo nas mãos e não se deixar ser pega de surpresa por ele.

Pode-se compensar a psicopatia através de seu oposto: um moralismo exagerado e rígido, uma atenção compulsiva ao dever e à ordem. Quando um discurso parecer partidário demais, cuidado!  Pode esconder uma psicopatia.

Um psicopata clássico não tem cura mas nossos traços psicopáticos podem ser contornados. Aprendemos sobre ética e moralidade na infância quando fazemos algo errado e algum adulto vem chamar a atenção, e um sentimento de vergonha toma conta. Daí começa a se formar um valor ético em nossas vidas. A falta de amor e falta de moralidade existem nessa cultura psicopática em que vivemos. De que forma contribuímos para isso quando toleramos não sermos tratados com respeito? Ou quando toleramos ou fazemos pequenas transgressões sociais. 

Para existir um vilão, é necessário uma vítima. E para sair do lugar de vítima, entrar no da responsabilidade pelos atos como sujeitos ativos e criadores de realidades, com consciência do que estamos nutrindo em nossas vidas. Olhe ao redor e ao invés de reclamar, perceba que pequeno gesto ou atitude pode ser feito que poderá provocar e inspirar mudanças. Que possamos alimentar mais o amor, a solidariedade e sensibilidade humanas!

Sílvia Rocha – Psicóloga (CRP:05/21756), Especialista em Psicologia Analítica Junguiana, Arteterapeuta, Consteladora Familiar Sistêmica


 

 

 

 

domingo, 7 de setembro de 2014

O que é depressão?

O que é Depressão?

“Queremos ter certezas e não dúvidas, resultados e não experiências, mas nem mesmo percebemos que as certezas só podem surgir através das dúvidas e os resultados somente através das experiências.” – C. G. Jung

“O que não nos mata, nos fortalece.”- Nieztche
 

                Segundo a Classificação Internacional de Saúde (CID-10), a depressão é considerada um transtorno de humor que pode ser classificado em leve, moderado ou grave, de acordo com a intensidade e quantidade de sintomas. Dentre os sintomas mais comuns são: Perda da capacidade e interesse por prazer, redução da energia vital, mudança de humor, diminuição das atividades, diminuição da auto-estima, da auto-confiança, idéias frequentes de culpa, auto-cobrança exagerada, diminuição da capacidade de concentração, fadiga, dores no corpo, raciocínio lento, esquecimento, lentidão psicomotora, agitação ou apatia, perda ou excesso de apetite, perda da libido e de interesse por relacionamentos, insônia ou excesso de sono, irritabilidade, ansiedade, sensação de fracasso, angústia, sentimento de desamparo, vazio existencial e falta de propósito de vida.

                Nos casos mais graves de depressão, a pessoa não sai da cama e não toma banho e pode desenvolver outras doenças clínicas levando-a a morte. Pode desenvolver delírios e alucinações psicóticas levando-as a acometer suicídio. A pessoa deprimida precisa de ajuda e ser levada a um atendimento médico e psicológico. Ela só consegue buscar essa ajuda sozinha quando a depressão está num estágio leve.

                Ficar triste em momentos da vida é perfeitamente normal, assim como temos passagens felizes também temos as tristes. Uma tristeza bem vivida e elaborada através de um luto, um período de recolhimento, faz a perda ser integrada na vida e uma nova energia ser colocada no lugar. Perda de um ente querido por morte, doenças, rompimento de relacionamento, desemprego, frustrações são motivos para tristeza, mas existe um tempo de recuperação esperado dependendo da resiliência – capacidade de recuperação - de cada um. Quando a tristeza se arrasta por muito tempo impedindo a pessoa de realizar coisas na vida, até mesmo de desempenhar suas atividades rotineiras, podemos pensar em depressão.

                Se existem mais pessoas da família com depressão, podemos considerar um componente hereditário. Na adolescência e juventude, o uso de drogas, álcool, medicamentos, conflitos internos ou com outras pessoas, podem levar à depressão. Também existe a depressão infantil com os mesmos sintomas dos adultos, acrescentando o desinteresse pelo brincar. Crianças que ficam muito tempo assistindo televisão, sendo bombardeadas por propagandas e valores consumistas, criam desde cedo uma ideia que o ter importa mais que o ser, ficando com seus corpos inertes e mentes aceleradas. Crianças devem brincar, correr, interagir, ficar ao ar livre, experimentar seu corpo e sua criatividade. Vídeo games desde novos por muito tempo também podem impedir que as crianças explorem atividades mais relacionais e sensoriais. Televisão e vídeo games devem ter seus usos controlados e limitados no tempo e outras brincadeiras e jogos, assim como materiais de arte oferecidos às crianças.

                O tratamento da depressão deve incluir a busca por um psiquiatra, por um psicólogo e pessoas que a ajudem a se inserir num contexto social. Frequentar grupos de apoio ou buscar pessoas amigas que estimulem o contato e o sentimento de pertencimento.  O afeto, a alegria dos encontros são bastante curativos. Uma pessoa deprimida não deve ficar sozinha e sim ter uma rede de pessoas e profissionais que a acolham.

                O trabalho psicológico da depressão passa por facilitar o contato da pessoa com suas próprias emoções. Tristezas e raivas reprimidas causam depressão. A raiva não expressa implode e se volta para a própria pessoa que trava sua energia vital. Ás vezes é mais fácil sentir raiva de si mesmo do que do outro, pois não existe uma permissão para sentir e expressar raiva por aquele que ama. E é essa mesma raiva que se canalizada com assertividade e não agressão, que vai colocar a pessoa de volta na vida, com firmeza e pro-atividade. Esse trabalho requer um guia, um terapeuta experiente que a auxilie nesse processo. A depressão segundo a terapia sistêmica pode significar, “alguém falta”, alguém que morreu e foi esquecido, ou o luto não foi devidamente realizado, a despedida não fora consumada. A depressão acaba por homenagear a pessoa que se foi fazendo com que a pessoa deprimida não viva plenamente.

                Algumas depressões são difíceis de se reconhecer, pois são disfarçadas. A pessoa continua fazendo tudo normalmente na sua vida mas com muita negatividade, pessimismo, reclamações e falta de perspectivas. São depressões leves mas que podem receber ajuda para  uma melhor qualidade de vida. Também devemos ficar atentos aos suicídios inconscientes em pessoas que fumam, bebem muito, usam drogas, fazem uma alimentação inadequada ou faltam cuidado com a saúde.

                Na visão junguiana, a depressão pode ser uma estratégia adaptativa, que como uma onda do mar, precisa se recolher para depois avançar. A depressão pode ser uma oportunidade de um grande mergulho interno para a preparação para o próximo momento de vida. Há que se legitimar as passagens da vida, para que elas realmente passem e se transformem em algo novo e que valham a pena.

Sílvia Rocha – Psicóloga, Arteterapeuta, Consteladora Familiar Sistêmica

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Encontro Terapêutico


Encontro terapêutico


“O encontro de duas personalidades se assemelha
ao contato de duas substâncias químicas:
se houver reação, ambas são transformadas.”
 Carl Gustav  Jung
“A ciência moderna ainda não produziu um medicamento tranquilizador
 tão eficaz como são umas poucas boas palavras.” S. Freud

                Quando uma pessoa busca uma psicoterapia, ela está precisando de ajuda para conduzir sua vida. Está querendo livrar-se de um sofrimento, seja na vida conjugal, no trabalho, um estado depressivo, doenças psicossomáticas, questões de identidade, financeira, dificuldades de relacionamento, angústia com os filhos, saúde frágil, etc. No modelo médico, é costume o paciente chegar com uma dor ou doença e o médico receitar remédios que curem ou amenizem aquele sofrimento. O diagnóstico e o tratamento são ditados pelo médico que estudou e tem um diploma. É colocado o poder da cura no médico.

Relacionar um sintoma com uma passagem difícil da vida, uma gripe com tristeza, uma úlcera com uma raiva reprimida, um infarto com um coração partido, uma doença ou um acidente que chegam para trazer uma nova percepção da vida, não é costume da maioria. Cuidados médicos são necessários, mas se a pessoa não refletir sobre suas enfermidades e desequilíbrios, vai continuar  as criando.  

Numa psicoterapia, o paciente também pode chegar esperando que o psicoterapeuta “tire” dele seus sintomas, cure sua dor, dê uma solução ao seu problema. Estamos vivendo a cultura do “Rivotril”. Este ansiolítico que é o remédio mais vendido do Brasil, é o símbolo da inconsciência, da anestesia dos nossos tempos. “Toma um remedinho que passa”. Passa provisoriamente, mas não cura, então não passa. E a pessoa vai continuar dependende a vida toda do remédio, se não tratar de arregassar as mangas e trabalhar em seu auto-conhecimento para reconhecer suas próprias forças.  Ansiedade é produzida pelo nosso modo de vida, assim como irritação, depressão, insônia. Essa sociedade competitiva, que exclui, de relações descartáveis, que carecem de sentido de vida e existência, produz uma série de desequilíbrios. Vivemos numa sociedade doente.

O que cura é o amor e todo o pacote que vem com ele: segurança, a confiança e o relaxamento. O amor vincula, faz aparecer o melhor de cada um. É disso que nossa sociedade está carente: de relações verdadeiras e não de relações utilitárias. No início de uma terapia, um paciente chega depositando no psicólogo um poder de cura, como se ele fosse um salvador, um deus ou deusa, um ser sobre-humano que será capaz de libertá-lo de seu sofrimento. Muito tentador para um terapeuta não treinado e inexperiente entrar nesse papel egóico de poder.

O que o psicoterapeuta faz é servir de espelho e de guia para que o paciente descubra sua própria dinâmica e soluções. Ele possui técnicas, uma abordagem que estudou e vivenciou através de sua própria análise e treinamento. Mas antes de tudo _ como diz C. G. Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”_  ele possui a si mesmo como ferramenta de trabalho. Sua própria humanidade, suas emoções, seu caminho de vida percorrido. Ele pode compreender o outro porque também sente, porque já sofreu, porque já superou questões, porque se conhece e continua sempre seu trabalho de auto-conhecimento. Daí a importância tão grande de um terapeuta ter feito ou estar fazendo sua própria terapia.

Nesse processo, é imprescindível que se reconheça as emoções como aliadas no processo de crescimento. Elas são tidas geralmente num pensamento racional como desnecessárias e que precisam ser eliminadas. Daí o uso abusivo de medicamentos. As emoções são nosso mecanismo de defesa e de sobrevivência. Sendo assim se alguém sente medo de andar perto de um precipício, vai se afastar, assim como se tiver entrando num relacionamento difícil, vai recuar. O medo protege, tornando-se patológico quando vira um pânico devido a excesso de fantasias que podem ser tratadas.

Até a ansiedade tem sua função, sendo oposta à apatia, ela prepara o organismo para uma luta, para uma ação, antevendo que algo vai acontecer. Se é comum estar sempre produzindo este estado, é porque a pessoa está criando uma imagem do mundo e da vida como um lugar ameaçador. Remédios fazem relaxar, mas outros métodos que não viciam também, como exercícios físicos, relaxamentos conduzidos, mudanças de pensamentos e tratamentos psicológicos.

Num encontro terapêutico atualizamos as demandas da vida, temos um espaço para reflexão. O julgamento de certo e errado fica de fora, e as expressões humanas são acolhidas. Suporte e apoio são criados na relação terapêutica onde cada encontro é único. E é nessa relação afetiva-existencial e ao mesmo tempo profissional, que o amor próprio e o poder criativo podem ser recuperados, criando um ambiente de confiança para que diversas transformações internas aconteçam.

*Dedico este artigo a todos os psicólogos pelo dia do Psicólogo, (dia 27 de agosto)  com desejos de força, saúde e fé para continuarmos a tocar a alma humana.

Sílvia Rocha – psicóloga – crp: 05/21756, arteterapeuta, consteladora familiar sistêmica


 

 

 

 

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Contos de Fadas de nossas vidas


Contos de Fadas de nossas vidas

                Crianças têm seus contos de fadas favoritos, assim como adultos tem seus filmes prediletos e já tiveram seus contos favoritos na infância. Histórias fascinam porque vão de encontro com questões existenciais, pessoais, e a identificação é certa. Histórias favoritas são aquelas que não saem da cabeça, transmitem um sentimento conhecido ou desejado. Trazem alegrias ou amedrontam, tocam de alguma forma alguma questão de vida. É também um convite a sair da vida real e mergulhar no arquétipo do herói que sempre vence, no final. 

                Contos de fadas são usados terapeuticamente por serem ferramentas maravilhosas que trazem à luz o que antes estivera oculto, pois geram emoções parecidas com as que vivenciamos em nossas histórias de vida. Ajudam a lidar com acontecimentos difíceis, além de nos convidarem a soluções. Tive uma certa vez como paciente, um menino de 9 anos que passava por uma separação dos pais traumática. Sua história favorita era rei leão I. Passou uma sessão inteira brincando com os leões reproduzindo a cena que o pai caía do penhasco e morria. Era a forma como estava vivenciando o afastamento do pai. Pudemos trabalhar essa perda legitimando-a, relativizá-la e até ressignificá-la depois. A história nos ajudou a identificar como estava vivenciando o momento, seus sentimentos e pensamentos. 

                Podemos perceber a relação entre os contos favoritos de infância com os roteiros de vida, traçados ainda na infância. Contos evidenciam scripts, que são histórias-roteiro. Mais usado no teatro, essa palavra foi usada pelo psiquiatra americano Eric Berne na Psicologia. Ele descobriu que organizamos nossa vida segundo imagens, frases, sentimentos que nos ajudam a nos reconhecer em nossas multiplicidades na vida. Histórias infantis nos ajudam a compor um script de vida, de uma história pessoal a partir das imagens que nos guiam e ajudam a criar um plano de vida, uma narrativa pessoal e anímica. Reconhecendo que histórias nos guiam é possível chegar a conscientização de padrões vividos. E elas são reconhecidas quando podemos perceber uma reação emocional na pessoa que conta.

                Histórias e contos de fadas possuem múltiplas possibilidades de interpretação. Uma delas é a interpretação sistêmica que não só considera a dinâmica individual mas as relações entre os membros da família: Vínculos, exclusão, compensações, identificações com membros da família, repetição de destinos familiares. E as histórias favoritas apresentam um fio condutor de uma dinâmica familiar.

                Segundo Brigitte Gross e Jacok Schneider, existem histórias que deflagram emaranhamentos de relações familiares e as que deflagram acontecimentos importantes que não foram levados em consideração. No conto João e Maria, podemos perceber os dois: a pobreza que assola a família, aperto financeiro e filhos que tiveram que sair cedo de casa. Quem se identifica com este conto pode possuir essa dinâmica de ter tido que crescer rápido demais ou se sentir abandonado pelos pais. Na Bela adormecida, assim como a décima terceira fada não fora convidada ao batizado da princesa, alguém fora excluído da família. Enquanto não for dado a todos pertencentes à família um lugar digno, alguém pagará por isso, compensando essa pessoa excluída através de não realização plena do potencial de vida. Essa identificação irracional e inconsciente pode levar uma pessoa a ser impelida a fazer coisas que não compreende o porquê, como sentir raiva de alguém da família sem ter motivos, não se realizar profissionalmente, estar sempre devendo, etc.

No conto do patinho feio, percebemos a inadequação sentida pela criança em seu seio familiar e também pode indicar casos de bullying. Em Rapunzel, podemos ver o tema da superproteção, do isolamento, e algumas vezes de algum caso de adoção na família que não fora revelado. Em chapeuzinho vermelho, precisamos investigar quem é o lobo na família, alguém que por ser considerado mal, fora banido. Pode indicar também algum caso de abuso sexual. E assim como a sombra psicológica, quando é evitada, volta na forma de um monstro, muito maior do que realmente é, uma pessoa pode se tornar de difícil convivência quando não é aceita em todas suas particularidades.

No teatro terapêutico, uma cena de história ou de vida é encenada repetidamente até que se torne possível a elaboração e outros desfechos também possam ser criados. O herói das histórias nos ajuda a desenvolver a ação necessária para superação, pois ele é carregado de energia de ação e otimismo. Ele faz por nós, mesmo que na imaginação, nos convidando a fazer o mesmo.

Em Malévola, filme baseado no conto da Bela Adormecida, nos permite refletir que outras versões da mesma história são possíveis e que nem tudo é tão mal que não possa ser transformado.

Sílvia Rocha – Psicóloga, Arteterapeuta, Consteladora familiar sistêmica.


 

 

 

 

 

 

sábado, 16 de agosto de 2014

Arte, saúde, Terapia e Transcendência


Arte, saúde, terapia e transcendência

“O que determina se um homem é doente ou sadio não é a intensidade da sua fantasia, mas sua habilidade ou inabilidade para transformá-la em realidade.” – Erich Neumann

Existe uma vitalidade, uma força de vida, uma energia, um despertar, que é traduzido em ação através de você, e porque só existe um de você em todos os tempos, essa expressão é única. - Martha Graham

“A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total.” – Ernst Fischer

 

Pintura, escultura, desenho, dança, teatro, fotografia, filmagem, escrita, poesia, música, construção com sucatas, dentre outras são formas de expressar e fazer arte.  A arte é uma criação não prevista pois é autêntica. O artista quando cria está aberto ao novo. É uma expressão que comunica algo de dentro para o mundo.  Neste sentido a arte religa o que era antes individual a um coletivo. Ela comunica independente de cultura ou época. Um sentimento expresso, um drama, um protesto, uma paixão, uma esperança quando revelada numa arte, sensibiliza porque provoca questões e reverbera condições humanas. A criação deriva de uma experiência de realidade e toma forma. A obra de arte ecoa dentro de cada um de uma forma diferente, e porque é essencialmente humana, da criança ao idoso todos podem criar.

No momento da criação, o racional fica de lado e o caos se instala, uma indefinição ou confusão tomam conta. Se existe uma impregnação de conceitos e introjeção de valores ou metas a alcançar, como criar a sua própria obra original? A criação nasce de um sentimento ou intuição, um canal mais instintivo. Às vezes é necessária uma tensão interna para mobilizar uma energia de criação, outras vezes apenas flui. Em contato com o material plástico, o que antes era subjetivo e invisível toma forma e se materializa. É um nascimento de algo que antes não existia ou existia apenas na fantasia ou era inconsciente.

Cada arte é uma linguagem, formas de arte são uma forma de comunicação e é também uma comunicação consigo mesmo pois permite transbordar, extravazar o ser. Ela liberta, fazendo a energia antes represada fluir. Plasmar a imagem na arte, despotencializa a carga energética. Pode compensar a realidade ou  colocar uma “lente de aumento” para ver melhor. A pessoa se vê em sua obra, encontra-se no seu fazer, dando forma ao contorno, limite ao que antes era subjetivo. O que tem limite é melhor percebido, pois permite a existência das formas que trazem estruturas, ordenação. Por isso a arte diminui os surtos psicóticos em psicóticos. E em alguns casos evitam somatizações de doenças. Se algo já foi expresso pela arte não precisa encontrar no corpo o canal de expressão.

                Um artista por profissão possui o ofício mais saudável, pois a arte é orgânica, respeita os ritmos do corpo e da alma. É natural e não força a barra. Há uma renovação que é uma constante atualização de si mesmo. É recomendado então que cada trabalho mesmo que não artístico, seja feito com arte, com alma.  A arte é extensão da existência, fazer com criatividade é colocar mais vida no que você faz.

A arte cura pois é terapêutica pelo simples fazer.  A criação flui do inconsciente para o consciente tornando visíveis imagens internas. E essa capacidade de criar está intimamente ligada à nossa criança interior que é responsável pela nossa saúde mental. Quando um adulto começa a criar possui muitas críticas e julgamentos pois está preso nos conceitos de certo e errado. O que há são expressões e como tais estão todas adequadas e bem vindas. Adultos foram condicionados, adaptados e até reprimidos. Quando perdemos nossa capacidade de criar, perdemos também a capacidade de encontrar soluções, ser flexíveis e saudáveis. 

Usamos as quatro funções psicológicas para criar: a intuição traz a inspiração, o sentimento mobiliza a energia, a sensação do contato com o material permite o fazer e o pensamento ajuda a elaborar o que foi feito. É por isso que a arte é um instrumental forte na terapia. O terapeuta tem a função de mediar esse encontro da pessoa com seu inconsciente para que ela mesma encontre seu caminho, suas respostas. Na arteterapia, o terapeuta facilita esse processo criativo de construção e reencontro com o si mesmo. É possível resgatar partes negligenciadas de si mesmo como traumas e também talentos. Tornando visível o oculto, facilita o lidar e o transcender.

Uma vez que a pessoa encontra  seu canal próprio de expressão e transformação, ela pode seguir criativamente pela vida. Criando sua própria história será um artista de sua própria vida, seu próprio guia, em uma conexão divina. E porque aprendeu a se transformar, pode vir a transformar o mundo.

Sílvia Rocha – psicóloga crp:05/21756 Arteterapeuta e consteladora familiar sistêmica



 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resiliência Psicológica


Resiliência Psicológica

“Nossa habilidade em reagir ao Presente consiste em encontrar a beleza em cada momento do dia, usando nossos dons, talentos e capacidades para incrementar o bem comum.” – Jamie Sams

                Resiliência é a capacidade de um sistema voltar ao seu estado de equilíbrio após uma perturbação. Este conceito pode ser empregado na Física, na Biologia e na Psicologia. Na Física, significa a propriedade de um corpo se recuperar de um choque ou deformação. Na biologia, relaciona-se à adaptabilidade e a capacidade de manutenção da vida. Em termos psicológicos nos remete a possibilidade que temos de vencer obstáculos, de tomar decisões sob pressão, de resistir sem desistir, de superar desafios, de manter equilíbrio emocional quando a situação não se desenrola como esperado, de se recuperar após um susto. Para isso é necessário uma força interna que promova a recomposição após um momento de perda, de abalo, de insegurança ou incerteza. Uma força que pode ser sutil e não física, mais psicológica e espiritual do que material.

                Tal qual um bambu se curva para depois voltar a seu estado reto, é preciso flexibilidade para contornar situações adversas. Em inglês, resilience significa elasticidade. Como um rio que flui se desviando das pedras, essa maleabilidade acontece quando abandonamos estruturas de pensamento rígidas, comportamentos delimitados, ações fixas e burocráticas, às vezes significa abrir mão de orgulho, apegos, certezas, regras obsoletas.

A resiliência pode ser compreendida como uma capacidade de elaborar uma perda. Daí a importância do luto, um tempo de refletir, sentir como será a vida após determinado acontecimento. Esse tempo é interno, silencioso, pede quietude, diminuição das atividades cotidianas, dos estímulos externos. Um trauma, é exatamente o contrário disto, é a incapacidade de integrar o evento, é a resistência, como não aceitação do ocorrido.

A importância da vivência de frustrações ao longo da vida desde criança torna o adulto mais forte e capaz de lidar com as adversidades da vida e superá-las. Um adulto que teve todas suas necessidades atendidas quando criança, vai ser mais frágil ao lidar com situações contrárias e ter mais dificuldade de recuperação. É a super-proteção que desprotege fazendo a pessoa ficar  exposta ao stress, à ansiedade, à medos e angústias. A frustração ao longo da vida vai construindo uma proteção onde situações difíceis não desestabilizam tanto e é possível manter o centramento em qualquer situação. É necessário que a criança tenha pais afetivos e cuidadores, que deem suporte para seu desenvolvimento saudável, favoreçam um ambiente seguro e transmitam confiança, equilíbrio e auto-controle.

Algumas pessoas precisam adoecer depois de um evento traumático. Ficar doente implica em parar, tomar um tempo para recuperação do ocorrido, isso poderia ser contornado se a pessoa se pemitisse um luto, que é justamente esse tempo de repouso para recuperar uma energia que se perdeu, após a perda de um ente querido por exemplo, ou de um resultado não esperado. Uma pessoa resiliente tem um sistema imunológico mais forte e não adoece facilmente, pois não se abate facilmente também.

Resiliência também é a capacidade de se reorganizar perante o stress, mantendo o domínio da situação ao invés de ser tomado por ele. Implica numa sabedoria, na capacidade de relaxar e confiar e não aumentar mais ainda o problema. Quem possui um sentido para sua vida tem maiores chances de ressignificar os eventos cotidianos e de buscar novos significados à vida. Isso envolve o julgamento que fazemos das situações. Nem sempre uma situação ruim é o que parece ser. Mas nem sempre conseguimos compreender isso no momento.

Uma boa metáfora do ser resiliente é o arquétipo do herói, que encara a escuridão, desce aos infernos e depois retorna fortalecido à luz. Podemos ver no Japão, um povo altamente resiliente, após guerras e após tsunami, sua capacidade de reconstrução é surpreendente e parece estar ligada às filosofias que regem seus pensamentos.  A meditação, a compaixão, a não resistência aos eventos faz com que a capacidade de adaptação e transformação impulsionem para frente. Lutar nesses casos parece levar a um desgaste de energia. O que não pode ser mudado necessita de uma nova abordagem, reconfigurando a visão para continuar seguindo em frente.

Medos e desejos atrapalham esse processo de estar em comunhão com o universo. Apenas seguir um fluxo de bem aventurança, como nos diz Campbell, prestando atenção ao chamado da alma ou como nos diz os povos nativos, um caminho que tem coração. A gratidão nos coloca sempre neste estado de Bem aventurança, onde bênçãos são reconhecidas e por isso recebidas e ainda multiplicadas. O grande desafio de transformar momentos difíceis em belos parece ser uma habilidade dos mestres e das pessoas resilientes.

 

Sílvia Rocha –psicóloga – silviaayani@gmail.com


·        Dedico esse artigo a minha avó: Alice Martins Rocha que fez a passagem para o mundo espiritual nesta segunda-feira, dia 21 de julho. Com seus 96 anos, essa guerreira muito me ensinou sobre resiliência, fé e amor pela vida, sou muita grata pelas suas bênçãos! 

 

 

 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O Silêncio dos Sábios


O silêncio dos sábios

 “Aquele que sabe não fala; aquele que fala não sabe.” Lao-Tsé

“Mas escuta o que sopra, a mensagem incessante que se forma do silêncio.”  Rainer Maria Rilke
 

                Estive no Rio de Janeiro por ocasião do lançamento do livro de ervas dos pajés do povo Huni Kuin do Acre (mais conhecidos por Kaxinawá) realizada no parque Lage. Já os conhecia por ter trabalhado com eles por um tempo, há alguns anos atrás. Foi bom reviver esse contato com um povo que vive em parceria com a natureza, com uma rica cultura repleta de simbolismos, ritos, medicinas naturais, artes e sabedoria. O que me chama mais atenção neles é o silêncio, a serenidade e afetividade na voz. A sabedoria que eles emanam de seu centramento e equilíbrio é transmitida em poucas palavras e por sua forte presença silenciosa. Precisa ser sensível para perceber.

                Contrastam com a verborragia do povo da cidade, que tem uma necessidade de falar e falar muito. Quando falamos muito não nos escutamos, estamos preenchendo o espaço para não ficar vazio. Sentar ao lado de um ancião indígena e ficar em silêncio, é uma experiência, é compartilhar uma existência dentro do momento presente. Nós da cidade, não temos total consciência do que criamos ao falar e somos displicentes com isso.

                Para os pajés uma palavra pode trazer uma cura, ou uma doença. Uma palavra pode iluminar ou trazer discórdia e guerra, pode unir ou separar. Um pensamento bom pode abrir caminhos, deixar uma pré-disposição para receber coisas boas da vida. Um pensamento limitante pode bloquear a visão para novas oportunidades que acontecem todos os dias.  Fisiologicamente falando, bem estar e mal estar podem ser fruto da qualidade do pensamento. Como um indígena Huni Kuin observou: “o povo da cidade sofre da doença do pensamento.”

Segundo o profeta Khalil Gibran: “E quando não podeis mais viver na solidão de vossos pensamentos, viveis em vossos lábios e o som é uma diversão e um passatempo.” (...)  “Entre vós, há os que buscam os que falam por medo de ficarem sozinhos.” Esta necessidade de preencher o vazio, leva a falar muito, comer muito, colecionar coisas, guardar entulhos em casa, ter vícios como fumar, beber ou se drogar. É a ilusão de que alguma coisa vai preencher o vazio emocional.

Um outro vício de nossa sociedade é a fofoca. É tanta fuga de si mesmo que falar do outro se torna fascinante. Como se o fofoqueiro estivesse num posto superior capaz de julgar o comportamento alheio. Há uma inveja do que o outro teve coragem de fazer e a vingança é espalhar o boato. A fofoca não é uma verdade completa, pois tem sempre a percepção e o julgamento do fofoqueiro que não esteve na pele do fofocado. Então pela fofoca, o fofoqueiro se trai. Como diz Freud: "O homem é dono do que cala e escravo do que fala." (...) "Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo."

                Vivemos numa cultura do barulho, nas cidades grandes, muitos sons, buzinas, rádios altos, gritos, barulhos de obra, televisão sempre ligada, muitas vozes. Essa poluição sonora faz o pensamento estar sempre acelerado. Para quem mora ou foge do burburinho, no veraneio, as cidades menores como a nossa proporcionam esse silêncio que traz mais contato com os sons naturais, e portanto com a essência das coisas e de si mesmo. Os orientais tem essa cultura da meditação, das pausas, do silêncio. Precisamos aprender com eles. Estamos lotados de pensamentos que não são nossos. Repetimos padrões familiares, sociais, repetimos a cultura midiática sem ter consciência disto. E a televisão e as redes sociais, passam a ser como mestres que ditam valores, crenças, de como você deve agir, pensar e sentir para estar “por dentro”. É a massificação onde pertencer, vira sinônimo de alienação de si mesmo.  Outra ilusão que temos é que o outro vai nos salvar da solidão. E daí relacionamentos de dependência são criados. Há quem tudo pergunte para os outros, não sabendo tomar uma decisão por si mesmo.

Nem tudo pode ser respondido pelo outro ou pela internet, há coisas que somente mergulhando em si mesmo. Como nos diz o cineasta David Lynch: “A verdade é que pela meditação você se torna cada vez mais você.” O silêncio pode causar medo pois coloca em contato  com o que cada um tem dentro: Medo da solidão, do abandono, da rejeição, da exclusão, angústias, conflitos, dúvidas, anseios, que somente confrontados podem ser resolvidos. O medo aumenta o fantasma, e a confrontação o faz relativizá-lo. E quando essas barreiras do medo são ultrapassadas é possível  enxergar que dentro também existe um manancial de amor e que potencialidades latentes podem ser manifestas.

O vazio alcançado pela meditação é fértil, onde é possível acessar a fonte da criatividade e escutar a voz de sua própria sabedoria. Faz acessar o arquétipo do velho sábio existente em cada um de nós.

               

                Sílvia Rocha – Psicóloga crp:05/21756