segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Problemas de Final de Ano

Diário de Teresópolis, 18 de dezembro de 2013
 
Problemas de final de ano

"Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem, a segunda é vivê-la como se tudo fosse um milagre". - Einsten

É comum no final de ano com a proximidade do Natal e da virada de ano, que algumas crises aconteçam. Muitas vezes não são questões iniciadas agora, elas já existiam, só é colocada uma lente de aumento sobre elas nesta época do ano. Principalmente assuntos que foram sendo “empurrados com a barriga”, ou postos de lado mesmo, para não serem mexidos.

Natal sempre mexe de uma forma ou de outra. Até mesmo para quem não é religioso, noite de Natal nos remete a reunião em família, comes e bebes, troca de presentes. E família é uma coisa que mexe. Tem gente com família grande que precisa escolher com qual parte da família passar a ceia. E se a outra parte ficar chateada?  Algumas pessoas se desdobram ficando um pouquinho em cada casa. Mas tem sempre alguém que vai se desagradar: “já vai embora, tão cedo?” Tem famílias pequenas, tem gente que mora longe da família.  Hoje em dia tem tantas formas de família, que o Natal deveria durar uma semana. Pais separados, avós separados, tios, tias. Novos casamentos, novos arranjos e as crianças pra onde vão?  As combinações nem sempre harmoniosas podem resultar em conflitos difíceis. E aquela pessoa da família que você não resolveu uma briga e está sem falar até hoje? Será que vai encontrar com ela no Natal? Sem falar daquela pessoa que você simplesmente não consegue simpatizar, qual a máscara social que você vai colocar?

São tantos enredos familiares que mais parece que Natal virou uma novela, para não dizer, um problema. Quem se separou há pouco, ainda não sabe o que esperar de uma nova configuração natalina. Ainda se ressente da perda do companheiro (a). Há saudades e lembranças dos Natais passados.  É impressionante como o Natal é um grande catalisador das questões abertas que ainda não foram resolvidas. E pra falar a verdade, acho isso muito bom! É uma grande oportunidade de resolução, pois só confrontando com elas que é possível resolvê-las.  Se não fez isso antes, que seja o quanto antes. Afinal, arrastar correntes é bem pesado para quem quer viver a vida!

Nas famílias que houveram perdas de entes queridos, é muito difícil os primeiros Natais.   Perdas implicam em lutos, que são momentos de sentir a dor, elaborar a perda, chorar, voltar-se pra dentro, até ter novas forças para continuar vivendo, apesar da ausência. Esse tempo precisa ser respeitado. Tem famílias que optam por não celebrar o Natal devido ao luto, pois a dor ainda está a flor da pele. Outras celebram e fazem uma homenagem à pessoa que partiu, talvez quem se foi, iria gostar de saber que a família continua se apoiando e se lembrando de suas raízes.

Algumas pessoas problematizam em torno do dinheiro. Gostariam de dar presentes mais caros ou mais do que podem. Aqui abro um parênteses para uma crítica social e ecológica. Vivemos como diz Guy Debord, a sociedade do espetáculo, onde o ter é mais valorizado que o ser, onde as coisas são mais valorizadas que as pessoas e o consumismo é um devorador de almas. Quanto mais se consome desnecessariamente, mais se abre um vazio existencial. A preocupação em mostrar o status social, muitas vezes até um falso status social, faz com que se compre um presente mesmo não podendo, gerando outros problemas até piores como as dívidas e como também o abandono de lares. Nesta época de Natal tem pais e mães trabalhando dobrado enquanto os filhos estão sozinhos, ficando vulneráveis emocionalmente e também a todos os tipos de perigos que a rua pode proporcionar.

Existem muitas formas de se presentear. Em algumas tribos nativas o melhor presente é do desapego. Você presenteia alguém com algo de mais valoroso que você tiver e você também recebe algo que é lhe muito caro (no sentido de estima) de outra pessoa. Já participei de rodas com presentes-desapego algumas vezes e até hoje quando olho pro presente, me lembro da pessoa, da história que vem de brinde com o presente, da emoção vivida. Todo mundo tem uma história pra contar. Compartilhá-las pode ser inclusive um grande presente, uma lição de vida.

Existem também os presentes criativos, artesanais e ecológicos.  Reciclando materiais, você mesmo faz o presente, fica orgulhoso de sua criação e ainda faz uma terapia ocupacional, ao invés de se estressar com compras de Natal. Quantos jogos e brinquedos, podem ser feitos com papelão e garrafas pet?  É só pesquisar. Tive a experiência maravilhosa de ver crianças indígenas brincando no leito do rio com um barquinho feito de tronco de árvore e folhas. Para sentir aquela alegria não foi preciso nenhum barco à pilha com luzinhas piscando. Algumas crianças da cidade já sofrem hoje desta patologia causada pelo consumo, pois parecem que só serão felizes se tiverem roupa de marca ou brinquedos eletrônicos. Necessitam de algo externo a elas para se sentirem preenchidas.

O verdadeiro sentido do Natal está ligado à vivência do arquétipo da criança divina. Na nossa cultura judaico-cristã, com o nascimento do  menino Jesus. Cada um vai vivenciar este arquétipo a seu modo, segundo sua história de vida e seu jeito peculiar de ser. Isto significa deixar nascer o novo,  ser criativo e olhar a vida com os olhos de uma criança. Comprar, comer e beber é  muito bom, em demasia  pode não ser nem um pouco, principalmente quando é um substituto para o afeto. Este é um tempo sagrado para reflexões, para buscar novas nutrições e significados. Quem sabe o simples e o suficiente pode abrir espaço para o fortalecimento das relações, para o essencial e verdadeiro?  Valorizar a presença, o sentimento de união, o amor. Aceitar as mudanças que a vida trouxe é aceitar reescrever uma história, talvez com mais humildade, maturidade  e sabedoria. E quem sabe assim o ano novo possa ser Novo de verdade!

Sílvia Rocha

Nenhum comentário:

Postar um comentário