Problemas de final de
ano
"Só há duas
maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não
existissem, a segunda é vivê-la como se tudo fosse um milagre". - Einsten
É comum no final de ano com a
proximidade do Natal e da virada de ano, que algumas crises aconteçam. Muitas
vezes não são questões iniciadas agora, elas já existiam, só é colocada uma
lente de aumento sobre elas nesta época do ano. Principalmente assuntos que
foram sendo “empurrados com a barriga”, ou postos de lado mesmo, para não serem
mexidos.
Natal sempre mexe de uma forma ou
de outra. Até mesmo para quem não é religioso, noite de Natal nos remete a
reunião em família, comes e bebes, troca de presentes. E família é uma coisa
que mexe. Tem gente com família grande que precisa escolher com qual parte da
família passar a ceia. E se a outra parte ficar chateada? Algumas pessoas se desdobram ficando um
pouquinho em cada casa. Mas tem sempre alguém que vai se desagradar: “já vai
embora, tão cedo?” Tem famílias pequenas, tem gente que mora longe da
família. Hoje em dia tem tantas formas
de família, que o Natal deveria durar uma semana. Pais separados, avós
separados, tios, tias. Novos casamentos, novos arranjos e as crianças pra onde
vão? As combinações nem sempre
harmoniosas podem resultar em conflitos difíceis. E aquela pessoa da família
que você não resolveu uma briga e está sem falar até hoje? Será que vai
encontrar com ela no Natal? Sem falar daquela pessoa que você simplesmente não
consegue simpatizar, qual a máscara social que você vai colocar?
São tantos enredos familiares que
mais parece que Natal virou uma novela, para não dizer, um problema. Quem se
separou há pouco, ainda não sabe o que esperar de uma nova configuração
natalina. Ainda se ressente da perda do companheiro (a). Há saudades e
lembranças dos Natais passados. É
impressionante como o Natal é um grande catalisador das questões abertas que
ainda não foram resolvidas. E pra falar a verdade, acho isso muito bom! É uma
grande oportunidade de resolução, pois só confrontando com elas que é possível
resolvê-las. Se não fez isso antes, que
seja o quanto antes. Afinal, arrastar correntes é bem pesado para quem quer
viver a vida!
Nas famílias que houveram perdas
de entes queridos, é muito difícil os primeiros Natais. Perdas implicam em lutos, que são momentos de
sentir a dor, elaborar a perda, chorar, voltar-se pra dentro, até ter novas
forças para continuar vivendo, apesar da ausência. Esse tempo precisa ser
respeitado. Tem famílias que optam por não celebrar o Natal devido ao luto,
pois a dor ainda está a flor da pele. Outras celebram e fazem uma homenagem à
pessoa que partiu, talvez quem se foi, iria gostar de saber que a família
continua se apoiando e se lembrando de suas raízes.
Algumas pessoas problematizam em
torno do dinheiro. Gostariam de dar presentes mais caros ou mais do que podem.
Aqui abro um parênteses para uma crítica social e ecológica. Vivemos como diz Guy
Debord, a sociedade do espetáculo, onde o ter é mais valorizado que o ser, onde
as coisas são mais valorizadas que as pessoas e o consumismo é um devorador de
almas. Quanto mais se consome desnecessariamente, mais se abre um vazio
existencial. A preocupação em mostrar o status social, muitas vezes até um
falso status social, faz com que se compre um presente mesmo não podendo,
gerando outros problemas até piores como as dívidas e como também o abandono de
lares. Nesta época de Natal tem pais e mães trabalhando dobrado enquanto os filhos
estão sozinhos, ficando vulneráveis emocionalmente e também a todos os tipos de
perigos que a rua pode proporcionar.
Existem muitas formas de se
presentear. Em algumas tribos nativas o melhor presente é do desapego. Você
presenteia alguém com algo de mais valoroso que você tiver e você também recebe
algo que é lhe muito caro (no sentido de estima) de outra pessoa. Já participei
de rodas com presentes-desapego algumas vezes e até hoje quando olho pro
presente, me lembro da pessoa, da história que vem de brinde com o presente, da
emoção vivida. Todo mundo tem uma história pra contar. Compartilhá-las pode ser
inclusive um grande presente, uma lição de vida.
Existem também os presentes
criativos, artesanais e ecológicos. Reciclando
materiais, você mesmo faz o presente, fica orgulhoso de sua criação e ainda faz
uma terapia ocupacional, ao invés de se estressar com compras de Natal. Quantos
jogos e brinquedos, podem ser feitos com papelão e garrafas pet? É só pesquisar. Tive a experiência
maravilhosa de ver crianças indígenas brincando no leito do rio com um
barquinho feito de tronco de árvore e folhas. Para sentir aquela alegria não
foi preciso nenhum barco à pilha com luzinhas piscando. Algumas crianças da
cidade já sofrem hoje desta patologia causada pelo consumo, pois parecem que só
serão felizes se tiverem roupa de marca ou brinquedos eletrônicos. Necessitam
de algo externo a elas para se sentirem preenchidas.
O verdadeiro
sentido do Natal está ligado à vivência do arquétipo da criança divina. Na
nossa cultura judaico-cristã, com o nascimento do menino Jesus. Cada um vai vivenciar este
arquétipo a seu modo, segundo sua história de vida e seu jeito peculiar de ser.
Isto significa deixar nascer o novo, ser
criativo e olhar a vida com os olhos de uma criança. Comprar, comer e beber é muito bom, em demasia pode não ser nem um pouco, principalmente
quando é um substituto para o afeto. Este é um tempo sagrado para reflexões,
para buscar novas nutrições e significados. Quem sabe o simples e o suficiente
pode abrir espaço para o fortalecimento das relações, para o essencial e
verdadeiro? Valorizar a presença, o
sentimento de união, o amor. Aceitar as mudanças que a vida trouxe é aceitar
reescrever uma história, talvez com mais humildade, maturidade e sabedoria. E quem sabe assim o ano novo possa
ser Novo de verdade!
Sílvia
Rocha
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